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Análise
Satírico, Borat renova humor judaico
MOACYR SCLIAR
COLUNISTA DA FOLHA
"Borat" surpreende o
espectador pelo humor sarcástico, não
raro grosseiro, capaz de apelar
para estereótipos, inclusive os
anti-semitas. Já no início somos apresentados a uma "corrida do judeu", na qual aldeões
de um fictício Cazaquistão perseguem bonecos. Mais adiante
o personagem revela a sua
crença de que judeus podem virar baratas. E pergunta a um
vendedor qual o melhor tipo de
arma contra judeus.
É o politicamente incorreto
na sua versão mais escrachada
e raramente vista no cinema. A
surpresa chega ao auge quando
se descobre que Sacha Baron
Cohen, o criador e intérprete
do personagem é, ele próprio,
de família judaica e praticante
da religião, que inclusive evita
os alimentos não permitidos.
Judaísmo e humor é um binômio bem conhecido, mas é
isso humor judaico? Para responder à pergunta é preciso definir humor judaico, um tipo
peculiar de humor de surgimento relativamente recente.
Não encontramos no judaísmo antigo expressões de humor. Originariamente nômades, enfrentando duras condições de vida, praticando uma
religião que enfatizava a culpa,
os hebreus não teriam muitos
motivos para piadas. Podemos,
sim, encontrar na Bíblia, no
Talmude e em textos do medievo raízes remotas do humor judaico; mas este emergiu de fato
no século 19 e num cenário particular: as aldeias judaicas da
Europa Oriental. Surgiu como
resposta à pobreza, às perseguições; uma defesa contra o desespero. O humor judaico é peculiar, de auto-ironia; a agressão é arrebatada ao agressor.
É um humor que induz à reflexão; não provoca o riso fácil,
e sim o contido, melancólico.
Freud, que, por seu judaísmo,
se interessava pelo tema, dedicou boa parte de "O Chiste e
Sua Relação com o Inconsciente" à análise de historietas judaicas. Nelas assinala a ansiedade misturada ao ceticismo.
Este pode atingir as expectativas mais transcendentes, como
a espera do Messias. Uma anedota, por exemplo, termina assim: "Não se preocupe. Deus
nos protegeu do Faraó e de outros inimigos. Ele nos protegerá do Messias também".
Com a emigração maciça de
judeus da Europa Oriental para
os Estados Unidos o humor judaico foi transplantado. No começo, correspondia, como nas
aldeias, a uma vida difícil. Mas
com a melhora da situação social e política as coisas mudaram. Os humoristas judeus tornaram-se populares por seus livros, artigos, peças, filmes ou
cartuns. Foi o caso de Jack
Benny, Milton Berle, Mel
Brooks, Lenny Bruce, Art
Buchwald, Red Buttons, Cid
Caesar, Eddie Cantor, Al Capp,
Rube Golberg, irmãos Marx,
Zero Mostel, Saul Steinberg,
Gene Wilder, Woody Allen.
E é, de certa maneira, o caso
de Sacha Baron Cohen. O humor já não nasce do temor, já
não é melancólico. A mãe judia
já não é a mulher superalimentadora que queria ver os filhos
gordinhos; é a mulher culta,
não raro analisada e alertada
para o problema da obesidade.
Desapareceu igualmente, e Israel disso é uma prova, a figura
do judeu encolhido, temeroso.
Finalmente, mudou a audiência: Groucho Marx (com quem
Borat é muito parecido) faz comédia para o público em geral.
É Cohen um anti-semita, um
caso de auto-ódio judaico? Não.
Ao contrário, ele satiriza os anti-semitas e outros preconceituosos: "Revelando-se anti-semita, Borat faz com que pessoas exponham seu próprio
preconceito", disse o ator. Mas
perceber a estratégia exige um
não pequeno grau de sofisticação. Daí a polêmica. Que, no entanto, é bom sinal. Fanáticos à
parte, é uma recusa do preconceito e uma evidência de que os
tempos mudaram. Podemos
não gostar do filme. Mas não
podemos negar que ele traduz
uma nova conjuntura.
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