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CINEMA/CRÍTICA
Irreverente, "V de Vingança" usa pop para criticar direita
SÉRGIO RIZZO
CRÍTICO DA FOLHA
Comediantes mais ferinos
costumam dizer que o humor não pode ter compromisso
com nada. Tradução: abaixo as
patrulhas, sobretudo as autopatrulhas, e de qualquer natureza.
Discussão longa, como a crise internacional em torno das charges
de Maomé recentemente demonstrou.
"V de Vingança", de James
McTeigue, se insere no espectro
da cultura pop que também parece dar uma banana a quem exige
"responsabilidade" na abordagem de certos assuntos. Neste caso, algo especialmente caro à geopolítica atual, o terrorismo.
A ação ambienta-se no Reino
Unido, mas em futuro nebuloso
-os EUA se consomem em guerra civil, e o império britânico
readquire o antigo protagonismo.
Os governantes de plantão mantêm o poder graças a um estado
de terror: o perigo mora na esquina, cidadão, e você precisa de nós
para viver com segurança.
Depois dos atentados do 11 de
Setembro, não há como ignorar
as conexões que um argumento
como esse estabelece. "V de Vingança" procura reiterá-las. E, caso
alguém não tenha entendido, encena versão própria do macabro
espetáculo de destruição das torres gêmeas do WTC.
Pela simbologia, o paralelo se
aproxima mais do Pentágono, da
Casa Branca ou do Capitólio. Um
certo anarquismo, distante do significado político do termo, pauta
o enfrentamento do poder. Não
acredite em ninguém com mais
de 30 anos, que use terno e gravata e que ouse dizer que governa
em meu nome. "Eles" mentem,
manipulam e jogam a polícia para
cima de você.
Se compreendido como leitura
do cenário sociopolítico ou como
distopia a alertar sobre as coordenadas do mundo hoje, esse ponto
de partida (e também de chegada)
não tem fôlego para sustentar debate. Olhar para o filme em busca
de luzes sobre a sociedade ocidental equivale a esperar que uma
lanterna portátil ilumine o estádio
do Maracanã.
Sintomático que esteja reunida,
para a adaptação da "graphic novel" de Alan Moore e David Lloyd,
a turma de "Matrix" -o produtor Joel Silver, os diretores Andy e
Larry Wachowski (desta vez, roteiristas e produtores) e o assistente de direção James McTeigue
(em sua estréia como diretor).
Repete-se em "V de Vingança"
o que se obtinha com a saga de
Neo (Keanu Reeves): capacidade
de reflexão, entendida não como
elaboração intelectual, mas como
espelhamento. "Matrix" não fez
sucesso por acaso: ao organizar
em formato visionário impressões cinzentas e paranóicas sobre
o mundo que encontram eco em
parcela do público jovem, tornou-se porta-voz dela.
Aqui, a elaborada concepção visual e o imenso repertório de alusões a elementos do universo pop
(em especial, filmes e romances
de ficção científica) servem para a
tentativa de vocalizar, com as armas da irreverência (e da irresponsabilidade?), o que o modo de
governar de George W. Bush,
Margaret Thatcher e outros líderes conservadores projetam sobre
quem é afetado por suas ações e se
julga excluído do processo, exceto
como massa de manobra.
Que essa maneira de tratar política seja também ela populista
produz um dos curiosos paradoxos do filme. E que Guy Fawkes
-o sabotador católico do século
17 que inspirou Moore e Lloyd-
seja incensado fora de contexto
revela mais sobre o liqüidificador
da cultura de massas do que os
realizadores de "V de Vingança"
talvez queiram admitir.
V de Vingança
V for Vendetta
Direção: James McTeigue
Produção: Alemanha, EUA, 2005
Com: Natalie Portman, Hugo Weaving,
Stephen Rea, Stephen Fry
Quando: a partir de sexta no circuito
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