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CINEMA
Diretor de "Veludo Azul" e "Twin Peaks" lança "A Estrada Perdida", que chega ao Brasil neste mês
Lynch volta a derramar sua esquisitice
KORO CASTELLANO
do "El País"
As 50 anos, depois de sucessos
como os filmes "O Homem Elefante", "Veludo Azul" e "Coração Selvagem" (Palma de Ouro
em Cannes) e a série de TV "Twin
Peaks", David Lynch volta a dirigir cinema em "A Estrada Perdida" (Lost Highway).
Trata-se de uma história esquizofrênica de psicopatas, que estréia no Brasil dia 25 de abril. Leia a
seguir trechos de entrevista do cineasta ao "El País".
Pergunta - O que vicê acha de
sua fama de ser um cara muito estranho e complicado?
David Lynch - Acho estranho,
porque na verdade sou bastante
normal. Mas acontece que há algumas coisas que, quando escritas,
acabam se transformando em verdades.
Pergunta - Você é especialista
em criar situações perturbadoras.
Lynch - Bem, isso se deve ao detetive que todos temos dentro de
nós. Está vendo este abajur sobre a
mesa? Parece ser só um abajur,
mas dentro há fios elétricos e eu sei
que estão enrolados de uma forma
determinada porque já o desmontei para ver como funciona.
Pergunta - Você foi uma criança
muito problemática?
Lynch - Veja, meus pais nunca
me entenderam, mas sempre me
apoiaram. Por exemplo, nunca se
recusaram a me dar dinheiro, embora durante por muito tempo eu
não quisesse ter contato com eles.
Mas não fui um menino estranho,
embora todos gostem de lembrar
que vivia dissecando animais.
Pergunta - Agora você sabe o
que buscava naquela época?
Lynch - Sim, texturas. De todos
os tipos, suaves, ásperas, rugas,
cabelo, carne, feridas, pigmentos,
ossos, terra, madeira, metal... Cada coisa tem sua própria forma,
sua própria textura, seu próprio
ser. A descoberta é apaixonante.
Eu sempre fui muito curioso.
Pergunta - "A Estrada Perdida"
é uma oportunidade de recuperar
sua reputação depois de fracassos
como a série de TV "On the Air"
ou do filme "Os Últimos Dias de
Laura Palmer", mas a impressão
que eu tenho é que você não dá a
mínima para a sua reputação.
Lynch - É verdade, porque isso
não depende de você. E na minha
opinião não foram fracassos, porque a gente se divertiu muito enquanto trabalhava.
Eu gosto de fazer filmes e de
manter o controle desde o começo
até o fim. Mas as vezes o fim é muito deprimente, porque acabamos
entrando em algo que não podemos controlar. Não se sabe se o
destino estará a seu lado ou não.
Mas quando se sabe que se fez
um bom trabalho, o fracasso não
importa. O sucesso é algo muito
perigoso, porque além de enganoso faz com que você se sinta importante. Um fracasso é uma libertação, porque como já chegou ao
fundo do poço a única opção é subir. É uma sensação de liberdade.
Na verdade, fracassar é lindo.
Pergunta - Você tem uma longa
lista de obsessões, começando pelos acidentes de trânsito.
Lynch - Não sou eu, isso acontece com todos nós. Quando há
um acidente em uma rodovia todo
mundo pára para olhar. Há um tipo de fascinação em ver o que poderia ter acontecido, e a realidade
sempre nos causa assombro. Por
isso, acidentes nos atraem como
um imã. Qualquer pessoa que dirija ou que esteja preocupada com
morte, ferimentos ou tristeza, se
sente compelida a parar e a observar.
Pergunta - Próxima obsessão: os
dentistas.
Lynch - Tenho os dentes moles
e por isso sempre precisei ir muito
ao dentista. E isso sempre foi uma
experiência horrível, muito sofrida. Foi assim até encontrar o dr.
Chin, e desde então acho que ele é
o melhor dentista do mundo. Ele
nunca me machucou. Pode até me
aplicar uma injeção que nem sinto
a picada e quando trabalha na minha boca é extremamente cuidadoso... É um artista. Sempre me
explica o que está fazendo e gosto
de imaginar o procedimento. Sou
seu cliente há 25 anos.
Pergunta - Quer dizer que é um
tipo de psicanalista?
Lynch - Bem, é muito melhor
do que um psicanalista. Na primeira vez que fui a um psicanalista
perguntei se o tratamento poderia
afetar a minha criatividade, e ele
me respondeu: "Vou ser honesto
com você, David, é bem provável
que afete". Então eu disse muito
obrigado, fui embora e nunca mais
voltei, porque com as coisas mágicas -as idéias- é melhor não
brincar. Essas coisas são sérias.
Mas com o dr. Chin não tenho esse
problema, gosto das suas ferramentas, das suas máquinas...
Pergunta - Terceira obsessão: o
café. Quantos cafés toma por dia?
Lynch - O café é um condutor
do pensamento, é uma substância
que provoca as idéias. O café me
deixa feliz, é como uma droga, mas
também é um ritual. Quando estava fazendo "Eraser Head" bebia
40 cafés por dia e fumava 40 cigarros. Depois parei de fumar, fique
sem fumar durante 20 anos.
Pergunta - E agora voltou a fumar?
Lynch - É, faz um ano e meio.
Comecei a fumar charuto com um
amigo todos os sábados à noite e...
bem, não deveria ter tocado nos
charutos. Eles me fazem lembrar
da Espanha... Fiz uma exposição
em Valência e quase fiquei louco.
Os espanhóis são as pessoas mais
criativas do mundo, são surrealistas. Eu nunca tinha terminado o
almoço às seis da tarde nem começado o jantar à uma da manhã. Todo mundo tinha dois ou três charutos no bolso, e ficamos fumando
a noite toda... foi maravilhoso.
Sei que preciso parar de fumar,
mas pelo menos consegui largar o
açúcar. O açúcar deixa as pessoas
felizes, mas agora faz três ou quatro meses que não uso açúcar, estava engordando bastante. Está
vendo como as minhas obsessões
são bem normais? Açúcar, café, cigarros... o que há de estranho em
tudo isso?
Pergunta - É verdade que entre
seus tesouros está o útero de uma
amiga, conservado em formol?
Lynch - Não é um dos meus tesouros, mas tenho muito carinho
por ele. É o útero de Rafaela de
Laurentiis, que foi a minha produtora em "Duna". Foi operada e
achou que eu gostaria de tê-lo.
Acertou.
Pergunta - E depois disso você
ainda se acha normal?
Lynch - Por que não? As pessoas
colecionam as coisas mais absurdas. Se eu colecionasse úteros até
entenderia que me achassem estranho. Mas só tenho um!
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