São Paulo, quinta-feira, 04 de maio de 2000


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Editoras virtuais brasileiras se fortalecem fazendo associações com editoras reais
Virando a página

Flávio Florido/Folha Imagem
O "livro eletrônico" modelo Rocket-Book, em exposição na Bienal do Livro, com página do clássico "Alice no País das Maravilhas", de Lewis Carroll, na tela


ALVARO MACHADO
especial para a Folha

Os editores brasileiros estão dormindo com o inimigo e até fazendo publicidade do fato. Os autores -novos ou consagrados- e os leitores são convidados a participar diretamente desse relacionamento, que se concretiza na apresentação de três novas empresas na 16ª Bienal Internacional do Livro, em São Paulo.
Em outras palavras: grandes, médias e pequenas editoras, que até há pouco apostavam na perenidade do livro em bom e velho papel, começam a se associar a novíssimas editoras e livrarias "virtuais" domiciliadas na Internet, cujos produtos podem ser lidos apenas na tela ou impressos domesticamente.
A "conversão" dos editores brasileiros foi estimulada, em março último, pela vendagem, apenas num fim-de-semana, de cerca de 500 mil cópias eletrônicas de "Riding the Bullet", "thriller" de Stephen King, ao preço de US$ 2,50.
Com seus títulos "baixados" diretamente para telas e impressoras de computador, agendas pessoais e outros instrumentos portáteis de leitura, as editoras e distribuidoras eletrônicas Ieditora (estande 254 da Bienal), Escreva.com (estande 144) e 00h00 (que lançou na terça seu site em português) anunciam vantagens culturais e monetárias para editores, livreiros, autores e leitores. O grande excluído da corrente é o distribuidor de brochuras normais, que opera com até 20% do preço de capa.
Eliminando de um golpe custos de fotolitos, impressão, papel, armazenamento e transporte, as e-editoras anunciam livros com preços até 80% menores que os praticados nas livrarias convencionais. O e-livro é alimentado a uma razão de 70 páginas por minuto, em arquivos de formato PDF, bem mais leves em bytes do que os DOC de Word.
O extenso "Os Sertões", de Euclides da Cunha, por exemplo, leva em média seis minutos para ser visualizado inteiro em arquivo PDF, com o auxílio de programas como o "Acrobat Reader", da Adobe, cujo "download" gratuito está sendo feito por cerca de 50 mil usuários por dia.
Para demonstrar sua potencialidade mais fascinante, as e-editoras estão importando leitores portáteis de e-livros, como o Rocket-Book, com versões capazes de memorizar de 16 a 100 livros médios, ou as agendas de mão Palm Pilot. Nesse mercado inquieto, a Microsoft lançou, no último dia 20, nos EUA, sua plataforma operacional Pocket PC, que traz novo programa leitor de textos, apontado como "menos cansativo e mais atraente que papel".
Uma vez que os sistemas portáteis utilizam tecnologias diversas, as e-editoras brasileiras estão se informatizando para oferecer várias formatações, como LIT (do novo "Microsoft Reader"), OEB e derivadas de HTML.
O segundo maior trunfo tecnológico das editoras digitais é a criptografia. Programas de software registram as vendas em códigos invioláveis, distribuindo automaticamente direitos de autor, editor, e-livreiros etc.
Casos de litígio poderão ter solução por meio de auditoria com o banco que intermedia as transações de compra, feitas na maioria por meio de cartão de crédito ou e-card (duas das três empresas citadas acima aceitam também cheques e depósitos bancários).
Um segundo programa de segurança fornece ao comprador uma senha para o título desejado, permitindo leitura apenas na máquina que realizou a transação e barrando copiagem de blocos de texto e impressão de uma segunda cópia.
Victor Kupfer, 27, da Ieditora (www.leditora.com.br), administra um investimento de R$ 2 milhões, aplicados, entre outros sócios, por Sérgio Kulikovsky, sócio do site de aplicações financeiras Patagon.com, e Sérgio Milano, da editora Nobel, outro entusiasta da via digital: "Agrega-se um produto sem ameaçar os canais normais de produção e distribuição, da mesma forma que a Internet não acabou com os jornais impressos", diz Milano, que prevê "ampliação brutal do conteúdo literário no mercado, já que o sistema permite vender até mesmo um único poema e testar títulos para publicação em vias tradicionais".
Quanto à pirataria, o editor afirma que "é bem mais difícil um "hacker" penetrar criptografia do que se levar um livro até a xerox da esquina".
Com acordos já fechados com cerca de 30 editoras, entres elas Geração e Melhoramentos, a Ieditora tem 140 títulos digitalizados, dentre 1.400 negociados, e começa a operar no próximo dia 15.
No catálogo já divulgado predomina ainda o "arroz-com-feijão" de centenas de manuais técnicos e de auto-ajuda.
Sua política de distribuição é somar estratégias, como impressão de cópias nas livrarias ("print on demand") e revendas em grandes sites de e-commerce. "As livrarias terão seus catálogos triplicados, e os autores poderão revelar logo a que vieram", diz Kupfer. Além de contar com uma selecionadora de conteúdo, a empresa negocia adesões por meio de Armando Antongini Filho, 51, presidente e diretor-executivo da Câmara Brasileira do Livro nos anos 90.
Funcionando em moldes semelhantes, Escreva.com (www.escreva.com.br) promete aos novos autores direitos de 50% sobre o preço de tela. Sua operação comercial tem início amanhã com a estréia digital da maior surpresa do Prêmio Jabuti deste ano: "À Sombra do Cipreste", contos do gaúcho Menalton Braff.
Como suas concorrentes, a editora Escreva.com também está preocupada em mostrar à Associação Brasileira de Direitos Reprográficos que a digitalização de acervo não favorece a pirataria.
"Ao contrário da indústria fonográfica, saqueada pelo MP3, no livro a criptografia possibilitará controlar direitos até de algumas páginas", lembra Paulo Levy, diretor da empresa.
Como chamariz, cerca de 120 clássicos de domínio público das literaturas brasileira e portuguesa estão disponibilizados gratuitamente no site, no qual Levy investiu R$ 150 mil, com a expectativa de faturamento de R$ 3 milhões em um ano. "Primeiro foi o livro em argila, depois vieram o couro, o papiro, o papel e, há 500 anos, o tipo móvel. É natural que agora se inventem novos suportes", diz Levy, que pretende explorar também o ramo da documentação empresarial.



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