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ANÁLISE
Do espaço corporativo a um território de liberdade
MARÍA LAURA SILVEIRA
ESPECIAL PARA A FOLHA
Preocupação antiga de Milton Santos, a reorganização
do território brasileiro no período
da globalização foi objeto de numerosas pesquisas e publicações,
dentre elas a obra "O Brasil - Território e Sociedade no Início do
Século XXI".
Nesse livro, buscamos mostrar
como a fluidez do território brasileiro, alcançada graças à construção de redes materiais e imateriais, permite a difusão das atividades econômicas modernas e
das novas formas de cooperação.
Criam-se, desse modo, topologias de firmas que cobrem vastas
porções do país e unem pontos
apropriados à lógica dessas mesmas empresas. As infra-estruturas que possibilitam esse relacionamento são construídas com recursos públicos, mas seu uso privado nos autoriza a falar de uma
privatização do território.
O espaço corporativo deriva de
tal mecanismo, pois assistimos a
uma utilização privilegiada dos
bens públicos e a uma utilização
hierárquica dos bens privados.
Quando as corporações encorajam, segundo várias formas de
ação, a construção dos sistemas
de engenharia de que necessitam
e quando os governos decidem
realizar tais obras, o processo de
produção do espaço corporativo
se fortalece.
A consequência é a instabilidade do território, alimentada pelas
próprias turbulências do chamado mercado global.
Essa instabilidade marca as relações da empresa com o seu entorno, isto é, com outras empresas, com as instituições e com o
próprio território, já que existe
uma contínua necessidade de readaptação ao mercado. É a produção de uma permanente desordem nos lugares, cuja manifestação mais visível é a ingovernabilidade da economia e do território.
Essa é uma grande inquietação
de Milton Santos. São os lugares
que evidenciam que as receitas, de
cunho macroeconômico e reproduzidas de forma quase idêntica,
aprofundam as crises por não levar em conta o espaço banal, isto
é, o espaço de todas as empresas,
de todas as instituições, de todos
os homens, todo o espaço. Quem
não reage favoravelmente à aplicação de tal receituário é declarado inviável.
Como o território usado diferentemente pela sociedade é uma
totalidade dinâmica, permite
uma visão unificada dos problemas sociais, econômicos e políticos e, por isso, deveria ser pensado como um ator da política.
Todavia, o problema central é
que a atual arquitetura política do
país, diz-nos Milton, trabalha
com uma idéia de território que é
apenas um conjunto de formas
(limites, fronteiras) e não de formas-conteúdo (as reais necessidades da população nos lugares).
As contradições entre as demandas dos lugares e das grandes
corporações ganham sua mais
clara manifestação nas crises territoriais que revelam as crises da
economia, da política, da sociedade. Regiões e cidades disputam a
alocação de capitais numa verdadeira guerra de lugares. É a esquizofrenia do território, pois as regiões almejam uma modernização que, ao chegar, aumenta sua
exclusão e alienação.
Qual é, então, a voz do lugar no
Brasil globalizado? Santos formula essa questão, contribuindo para
o debate nacional. A atual forma
de representatividade política não
reflete os problemas dos lugares
na globalização, que apontam a
falta de comando político do seu
trabalho e das condições da vida,
problemas que, tantas vezes, vão
além de municípios e Estados.
Daí sua proposta de construir
uma federação de lugares, resultado da compartimentação do território em áreas de identidade, legitimadas pelas próprias condições
de existência. Tratar-se-ia de uma
regionalização do cotidiano, da
emergência de um quarto nível
político-territorial, de uma verdadeira federação lugarizada. Por isso a geografia de Milton Santos é
uma teoria do futuro, geografia da
vida que busca um caminho para
a construção de um território brasileiro de justiça e de liberdade.
María Laura Silveira é professora doutora do Departamento de Geografia da
USP e pesquisadora do CNPq, além de
co-autora do livro "O Brasil - Território e
Sociedade no Início do Século XXI" (ed.
Record, 2001)
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