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LITERATURA
Segunda parte da autobiografia do escritor sul-africano radicado na Inglaterra sai em julho nos EUA
Coetzee revela sentimento de inadequação
MARCELO PEN
CRÍTICO DA FOLHA
J.M. Coetzee entrou como
intruso na festa das letras inglesas. Originário de uma das ex-colônias, a África do Sul, e descendente de uma família de não intelectuais, formou-se em matemática e trabalhou um tempo na IBM.
E, a julgarmos pela segunda parte
de sua autobiografia, "Youth: Scenes from Provincial Life II" (Juventude: Cenas de uma Vida Provinciana II), nutriu sérias dúvidas
sobre a possível vida de escritor.
Quarenta anos após ter desembarcado na Inglaterra, sua insegurança inicial serve de alívio a aspirantes à carreira artística. Afinal,
Coetzee se tornou o primeiro escritor a ganhar duas vezes o Booker Prize, com "Life and Times of
Michael K" e "Desonra" (o segundo autor seria Peter Carey, no ano
passado). Também é sempre lembrado para o Nobel de Literatura.
Vive hoje recluso e não dá entrevistas. Instado a nos abrir uma exceção, respondeu, por meio de
sua agente, que tudo o que o leitor
quiser saber dele está em seus livros, especialmente nos dois volumes de sua autobiografia.
Vejamos. O relato, no presente
do indicativo e em terceira pessoa, acompanha a vida de John,
alter ego do autor, dos 18 aos 24
anos. O sentimento de inadequação percorre a obra. Insatisfeito
com o passado africânder de sua
família e com a África do Sul, John
vai para a Inglaterra. Influenciado
por Ezra Pound e T.S. Eliot, está
determinado a se tornar um poeta
e a "enfrentar tudo", até o exílio.
Na "swinging London" dos
anos 60, as coisas não são fáceis.
Obrigado pelas leis de imigração a
aceitar um emprego que despreza, na IBM, John não tem amigos.
Seus relacionamentos amorosos
tendem ao malogro. Crê que pode
ser homossexual, mas a experiência também fracassa.
John prepara tese sobre o escritor Ford Madox Ford, mas descobre que o autor pouco acrescenta.
Nesse sentido, é crucial sua descoberta de um romance de Beckett,
"Watt", em que "não há embate
nem conflito, apenas o fluxo de
uma voz contando uma história,
um fluxo continuamente confrontado por dúvidas e escrúpulos, seu ritmo ajustado com exatidão ao da própria mente."
Como "Watt", "Youth" se ocupa da descrição de uma consciência. As figuras do passado de John
vêm e vão, sem que o autor se
prenda a elas. A função dos incidentes e dos relacionamentos expostos é abrir terreno para um julgamento moral e existencial desse
rapaz hamletianamente cindido,
inteligente, mas irresoluto, sensível, mas egoísta, ávido por experiências (da "mais nobre à mais
degradada"), mas receoso.
O exílio a que o autor se refere
ganha um sentido maior do que a
mera expatriação. John se sente
tão banido da África do Sul quanto de sua almejada condição de
artista. Se não se encaixa no destino burguês que a IBM lhe proporcionaria, também não consegue
se ver como poeta. Quer ter experiências que lhe possibilitem perscrutar a alma, mas sente medo e,
quando age de modo egoísta como um verdadeiro artista, remorso. Acossado pela culpa e pelo
sentimento de permanente inadequação, John ensaia, acima de tudo, o exílio de si mesmo.
A obra aspira à condição de um
"Künstlerroman", como "Um Retrato do Artista Quando Jovem",
de Joyce, mas com um final bem
mais melancólico. Na prosa distanciada e lírica de Coetzee, a redenção poucas vezes é possível.
"Youth" sairá nos EUA em julho deste ano. "Boyhood" ("Infância"), primeira parte desta autobiografia, foi publicada em
1997. Dele, a Companhia das Letras está lançando este mês a novela "A Vida dos Animais".
Youth: Scenes from Provincial
Life II
Autor: J.M. Coetzee
Editora: Viking Penguin
Quanto: US$ 22,95 ou R$ 54,85
Onde encomendar: www.amazon.com
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