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DRAUZIO VARELLA
Violência na TV e comportamento agressivo
Nunca se assistiu a tanta
violência na televisão como
nos dias atuais. Dada a enormidade de tempo que crianças e
adolescentes das várias classes sociais passam diante da TV, é lógico o interesse pelas consequências
dessa exposição. Até que ponto a
banalização de atos violentos,
exibidos nas salas de visitas pelo
país afora, diariamente, dos desenhos animados aos programas de
"mundo-cão", contribui para a
escalada da violência urbana?
Essa questão é mais antiga do
que se imagina. Surgiu no final
dos anos 1940, assim que a televisão entrou nas casas de família.
Nos Estados Unidos, país com o
maior número de aparelhos por
habitante, a autoridade máxima
de saúde pública do país ("Surgeon General") já afirmava em
comunicado à nação, no ano de
1972: "A violência na televisão
realmente tem efeitos adversos
em certos membros de nossa sociedade".
Desde então, a literatura médica já publicou sobre o tema 160
estudos de campo que envolveram 44.292 participantes, e 124 estudos laboratoriais com 7.305
participantes. Absolutamente todos demonstraram a existência
de relações claras entre a exposição de crianças à violência exibida pela mídia e o desenvolvimento de comportamento agressivo.
Ao lado deles, em 2001, foi publicado um estudo interessantíssimo numa das mais importantes
revistas de psicologia, que evidenciou efeitos semelhantes em
crianças expostas a videogames
de conteúdo violento. No final do
mês passado, Jeffrey Johnson e colaboradores da Universidade de
Columbia publicaram na revista
"Science" os resultados de uma
pesquisa abrangente que estende
as mesmas conclusões para adolescentes e adultos jovens expostos
diariamente às cenas de violência
na TV.
A partir de 1975, os pesquisadores passaram a acompanhar um
grupo de 707 famílias, com filhos
entre um e dez anos de idade. No
início do estudo, as crianças tinham em média 5,8 anos. Foram
seguidas até 2000, quando atingiram a média de 30 anos.
Nesse intervalo de tempo, periodicamente, todos os participantes
e seus pais eram entrevistados para saber quanto tempo passavam
na frente da televisão. Além disso,
respondiam a perguntas para
avaliar a renda familiar, a possível existência de desinteresse paterno pela sorte dos filhos, os níveis de violência na comunidade
em que viviam, a escolaridade
dos pais e a presença de transtornos psiquiátricos nas crianças, fatores de risco sabidamente associados ao comportamento agressivo.
A prática de atos agressivos pelos jovens foi avaliada por meio
de sucessivas aplicações de um
questionário especializado e de
consulta aos arquivos policiais.
Depois de cuidadoso tratamento estatístico, os autores verificaram que, independentemente dos
fatores de risco citados acima, o
número de horas que um adolescente com idade média de 14 anos
fica diante da televisão, por si só,
está significativamente associado
à prática de assaltos e à participação em brigas com vítimas e em
crimes de morte mais tarde,
quando atinge a faixa etária dos
16 aos 22 anos. Essa conclusão vale para homens ou mulheres, mas
não vale para os crimes contra a
propriedade, como furtos e vandalismo, que aparentemente parecem não guardar relação com a
violência presenciada na TV.
Conclusões idênticas foram tiradas analisando-se o número de
horas que um jovem de idade média igual a 22 anos (homem ou
mulher) dedica a assistir à televisão: quanto maior o número de
horas diárias, mais frequente a
prática de crimes violentos. Entre
adolescentes e adultos jovens expostos à TV por mais de três horas
por dia, a probabilidade de praticar atos violentos contra terceiros
aumentou cinco vezes em relação
aos que assistiam durante menos
de uma hora.
O estudo do grupo de Nova
York é importante não só pela
abrangência (707 famílias acompanhadas de 1975 a 2000) ou pela
metodologia criteriosa mas por
ser o primeiro a contradizer de
forma veemente que a exposição
à violência da mídia afeta apenas
crianças pequenas. Demonstra
que ela exerce efeito deletério sobre o comportamento de um universo de pessoas muito maior do
que aquele que imaginávamos.
Apesar do consenso existente
entre os especialistas de que há
muito está caracterizada a relação de causa e efeito entre a violência exibida pelos meios de comunicação de massa e a futura
prática de atos violentos pelos espectadores, o tema costuma ser
abordado com superficialidade
irresponsável pela mídia, como se
essa associação ainda não estivesse claramente estabelecida.
Em longo comentário ao artigo
citado, na revista "Science", Craig
Anderson, da Universidade de Iowa, responsabiliza a imprensa
por apresentar até hoje como controverso um debate que deveria
ter sido encerrado anos atrás. Segundo o especialista, esse comportamento é comparável ao mantido por décadas diante da discussão sobre as relações entre o cigarro e o câncer de pulmão, quando
a comunidade científica estava
cansada de saber e de alertar a
população para isso.
Seis das mais respeitadas associações médicas americanas (entre as quais as de pediatria, psiquiatria, psicologia e a influente
American Medical Association)
publicaram em 2001 um relatório
com a seguinte conclusão sobre o
assunto: "Os dados apontam de
forma impressionante para uma
conexão causal entre a violência
na mídia e o comportamento
agressivo de certas crianças".
As associações médicas e a imprensa brasileira dariam importante contribuição ao combate à
violência urbana se trouxessem
esse tema a debate.
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