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"Minha Vida em Cor-de-Rosa" traz um menino que pensa ser uma menina, e "Paixão Selvagem", uma garota com aparência de garoto
Questão de gênero
Minha Vida em Cor-de-Rosa
JOSÉ GERALDO COUTO
da Equipe de Articulistas
"Minha Vida em
Cor-de-Rosa' é um filme sobre a
identidade, não sobre o homossexualismo", disse seu diretor, o
belga Alain Berliner, em entrevista à Folha, quando a obra
chegou aos cinemas brasileiros,
no ano passado.
De fato, o foco desse delicado
drama é o momento em que a
criança começa a se perguntar
quem é e a definir o que quer
ser. Nem sempre as duas coisas
coincidem, como fica claro nas
desventuras do pequeno Ludovic (Georges Du Fresne), que
aos 7 anos não aceita as evidências de que não é uma menina.
O que há de tocante na abordagem de Berliner é que o problema não está em Ludovic, e
sim no mundo que o cerca.
A família, os vizinhos, a escola, o patrão do pai, a família do
patrão do pai, a psicóloga, todos
se empenham em enquadrá-lo,
em abolir o que tem de diferente, em torná-lo "normal".
Sob a ótica do filme, todas essas tentativas, por melhores que
sejam as intenções que as motivem, acabam desembocando
em algum tipo de brutalidade.
A adesão radical ao ponto de
vista do protagonista, contra o
pragmatismo do mundo, é responsável pelo que o filme tem
de melhor, e é o que o distancia
dos melodramas paternalistas
em torno do homossexualismo.
Particularmente feliz é o modo como Ludovic reelabora, pela fantasia, os dados que recebe
do mundo, sempre tendo em
vista seu desejo de ser menina.
Há um exemplo simples e comovente. A irmã mais velha de
Ludovic sofre as cólicas da primeira menstruação. O menino
ouve a mãe dizer à irmã: "São as
regras. Agora você já é uma mocinha". Ao acordar, dias depois, com dor de barriga, Ludovic sai gritando: "São as regras.
Agora sou uma mocinha".
É nesse tom, entre o terno e o
cômico, que Alain Berliner
mantém seu filme.
Outra opção corajosa do cineasta é fazer intervir como
uma fada, no cotidiano de Ludovic, a boneca Pam, uma espécie de Barbie. As cenas em que
ela aparece, esvoaçante e cheia
de brilhos, são de uma breguice
extrema. Mas até nisso o filme é
coerente. A infância é brega, o
que é que se pode fazer?
A esse propósito, chega a ser
um prodígio o modo como o cineasta resolveu os problemas de
escala, passando sutilmente, às
vezes no mesmo enquadramento, do universo miniaturizado
dos bonecos ao mundo dos seres humanos.
Outra proeza foi fazer com
que o ator Georges Du Fresne,
então com 11 anos, representasse de maneira convincente um
menino de 7.
"Minha Vida em Cor-de-Rosa" ganhou nos EUA o Globo
de Ouro de melhor filme estrangeiro e alcançou relativo êxito
internacional. Nada mais justo.
É, por todos os títulos, um filme
encantador.
Filme: Minha Vida em Cor-de-Rosa
Produção: Bélgica, 1997, 90 min
Direção: Alain Berliner
Com: Georges Du Fresne, Michelle
Laroque, Jean-Philippe Ecoffey
Lançamento: Alpha (tel.
011/230-0200)
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