São Paulo, segunda, 4 de maio de 1998

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"Minha Vida em Cor-de-Rosa" traz um menino que pensa ser uma menina, e "Paixão Selvagem", uma garota com aparência de garoto
Questão de gênero
Minha Vida em Cor-de-Rosa

JOSÉ GERALDO COUTO
da Equipe de Articulistas

"Minha Vida em Cor-de-Rosa' é um filme sobre a identidade, não sobre o homossexualismo", disse seu diretor, o belga Alain Berliner, em entrevista à Folha, quando a obra chegou aos cinemas brasileiros, no ano passado.
De fato, o foco desse delicado drama é o momento em que a criança começa a se perguntar quem é e a definir o que quer ser. Nem sempre as duas coisas coincidem, como fica claro nas desventuras do pequeno Ludovic (Georges Du Fresne), que aos 7 anos não aceita as evidências de que não é uma menina.
O que há de tocante na abordagem de Berliner é que o problema não está em Ludovic, e sim no mundo que o cerca.
A família, os vizinhos, a escola, o patrão do pai, a família do patrão do pai, a psicóloga, todos se empenham em enquadrá-lo, em abolir o que tem de diferente, em torná-lo "normal".
Sob a ótica do filme, todas essas tentativas, por melhores que sejam as intenções que as motivem, acabam desembocando em algum tipo de brutalidade.
A adesão radical ao ponto de vista do protagonista, contra o pragmatismo do mundo, é responsável pelo que o filme tem de melhor, e é o que o distancia dos melodramas paternalistas em torno do homossexualismo.
Particularmente feliz é o modo como Ludovic reelabora, pela fantasia, os dados que recebe do mundo, sempre tendo em vista seu desejo de ser menina.
Há um exemplo simples e comovente. A irmã mais velha de Ludovic sofre as cólicas da primeira menstruação. O menino ouve a mãe dizer à irmã: "São as regras. Agora você já é uma mocinha". Ao acordar, dias depois, com dor de barriga, Ludovic sai gritando: "São as regras. Agora sou uma mocinha".
É nesse tom, entre o terno e o cômico, que Alain Berliner mantém seu filme.
Outra opção corajosa do cineasta é fazer intervir como uma fada, no cotidiano de Ludovic, a boneca Pam, uma espécie de Barbie. As cenas em que ela aparece, esvoaçante e cheia de brilhos, são de uma breguice extrema. Mas até nisso o filme é coerente. A infância é brega, o que é que se pode fazer?
A esse propósito, chega a ser um prodígio o modo como o cineasta resolveu os problemas de escala, passando sutilmente, às vezes no mesmo enquadramento, do universo miniaturizado dos bonecos ao mundo dos seres humanos.
Outra proeza foi fazer com que o ator Georges Du Fresne, então com 11 anos, representasse de maneira convincente um menino de 7.
"Minha Vida em Cor-de-Rosa" ganhou nos EUA o Globo de Ouro de melhor filme estrangeiro e alcançou relativo êxito internacional. Nada mais justo. É, por todos os títulos, um filme encantador.

Filme: Minha Vida em Cor-de-Rosa Produção: Bélgica, 1997, 90 min Direção: Alain Berliner Com: Georges Du Fresne, Michelle Laroque, Jean-Philippe Ecoffey Lançamento: Alpha (tel. 011/230-0200)


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