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ANÁLISE
Geração de Lispector produz literatura superficial
MARILENE FELINTO
da Equipe de Articulistas
Impossível não comparar com
Clarice Lispector escritoras da geração de Clarice Lispector. Em linguagem figurada, é dizer que Lispector foi a genial e importante soberana de um reino que, depois de
sua morte, não vê como elevar ao
trono qualquer de suas irmãs
-todas parecem ter uma incapacidade aqui, outra ali, que não as
habilita ao posto.
Se Clarice Lispector estivesse viva -morreu em 1977-, teria 72
anos. Lygia Fagundes Telles tem
76, Nélida Piñon, 60, e Lya Luft, 59.
Em comparação com a literatura
profunda e inovadora de Lispector, fundada em movimento que
vai da especulação do ser à especulação da linguagem que dê existência a ele, o trabalho das outras não
passa da superfície literária.
É literatura rotineira, comportada, fácil de ler. Falta vitalidade,
perplexidade, a reinvenção mais
ou menos radical de técnicas ou
recursos de ficção que atribuíssem
uma marca inconfundível ao estilo
dessas escritoras.
Entretanto, pelo contrário, o que
ocorre é uma similaridade enfadonha, a despeito das particularidades do trabalho de cada uma. A
uma literatura de impacto não
basta, por exemplo, a pesquisa tímida de linguagem, alusões, elipses e suspensões dos diálogos dos
personagens de Telles em sua rememoração do passado.
Destaque-se que a narrativa fantástica, utilizada por Telles em larga escala, a literatura do "fantástico maravilhoso", sempre foi um
gênero de eficácia discutível, saída
fácil para a complexa conformação do texto literário. A impressão
que se tem é de que falta vida nesses textos, verdade, e não o realismo a que eles pretendem se opor.
Por outro lado, os excessos na especulação da linguagem também
geram uma literatura artificial,
perdida em vazios exercícios de retórica, caso de Nélida Piñon.
Ainda que possa não soar como
justo o critério das comparações
em história literária, o fato é que a
prosa brasileira contemporânea
tem sido objeto, dos anos 60 em
diante, de uma espécie de lamentável confusão de critérios. De um
dia para outro, elevam-se à classe
de grandes obras verdadeiras idiotices.
Isso também é sintoma de uma
crítica literária arrogante, que se
pretende mais importante do que
o objeto de seu trabalho, que trabalha não pela literatura, mas em
favorecimento próprio, e que se
preocupa exclusivamente com divulgar-se a si mesma nos espaços
da mídia.
Mas o tempo, ainda bem, é mais
sábio do que a crítica e a falta de
crítica. Daqui a algumas décadas, o
nome de muito grande escritor de
hoje vai soar distante como hoje
soa os de um Ribeiro Couto, Antonio de Alcântara Machado e Herberto Sales em encardidas antologias escolares de contos.
Voltando às três escritoras, como a obra delas tem ainda em comum uma boa dose de intimismo
e exploração do mundo subjetivo
dos personagens, isso contribui
para defini-las como escritoras de
"literatura feminina".
O que deveria ser aceito como
uma definição para lá de normal
(afinal, são mulheres), ainda é ou
motivo de questionamento ou sinônimo de uma missão especial na
vida, quase mística. Nesse trecho
de Lya Luft, no texto inédito "Somos o Material de Nossa Arte", a
escritora comenta:
"'Sua literatura fala de mulheres', disseram ao me apresentarem
num seminário. Fiquei refletindo
sobre o que se tornaria o desencadeador deste texto, pois em minhas histórias não aparecem só
mulheres mas homens e crianças,
casas com sótãos e porões, dramas
ou banalidades. Falo também do
estranho atrás de portas, mortos
que vagam e vivos que amam ou
esperam".
Já Nélida Piñon relaciona escrever e condição feminina com reverência quase religiosa. Em "O Presumível Coração da América", incluído na coletânea da PUC, ela
diz:
"Tenho gosto em servir à literatura com memória e corpo de mulher. Em mim residem os recursos
sigilosos que a mulher engendrou
ao longo da história, enquanto integrava o cerimonioso cortejo que
a levaria a participar dos mistérios
de Elêusis.
"Dependendo, portanto, do uso
de múltiplas máscaras para iniciar
a primeira frase de um romance.
Para melhor perseguir as instâncias do meu século e dos séculos
pretéritos. Sob a custódia do tempo, sofro cada palavra que fabrico.
Narro, porque sou mulher."
Ora, mas é exatamente por esse
tipo de discurso que a chamada
"literatura feminina" tem até hoje
certo caráter pejorativo, como se
fosse etérea, tratando sempre e só
de amor, maternidade, corpo e
mistérios femininos.
Como se fosse inferior à literatura de verdade, a dos homens, mais
diretos, que tratam a arte como o
material tosco que ela é, apenas:
um pedaço de madeira ou pedra a
ser talhado.
Nenhuma distinção de sexo é necessária para o trabalho, basta um
trauma forte na vida, uma desilusão de todo irremediável a não ser
por essa via inútil de criar outros
mundos com as mesmas palavras
que viram outras.
Pouco importa. Pelo menos Telles e Piñon são duas das mais oficiais escritoras do país. Que sejam
respeitadas na sua oficialidade
-ainda que isso não tenha nada a
ver nem com escrever nem com
grande literatura.
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