São Paulo, sábado, 04 de junho de 2005

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CONTOS/"RITA RITINHA RITONA"

Trevisan se desgasta em sua repetição

ADRIANO SCHWARTZ
ESPECIAL PARA A FOLHA

"Rita Ritinha Ritona", a nova obra de Dalton Trevisan, tem tudo o que um leitor habitual do autor sempre encontra em seus livros: ironia, concisão, diálogos apurados, sexo, violência, pobreza, Curitiba. Esse "feroz resumidor de destinos miúdos", como escreveu Davi Arrigucci Jr., não faz muita questão de surpreender ou avançar. Tal repetição, ao mesmo tempo em que consagra um projeto literário coerente, provoca desgaste. E não dá para negar que alguns dos textos presentes neste volume parecem exercícios de estilo, rascunhos de um mesmo conto atemporal que ele poderia ter escrito em um instante qualquer de sua longa carreira.
Mas existem também os momentos antológicos. A narrativa inicial, "Maria, Sua Criada", é daquelas que se fixam na memória. Em menos de 15 páginas, Trevisan monta um prodigioso "romance de formação" miniaturizado, no qual os difíceis acontecimentos da vida da protagonista são sintetizados de um modo tão bem concatenado que, ao terminá-lo, o leitor é levado a perder a noção de quão rápido aquilo foi apresentado a ele.
Outro ponto que merece destaque é a fixação do escritor em Capitu, de "Dom Casmurro". Como se sabe, ele é do "time" que não tem nenhuma dúvida da traição da moça e considera absurdas as posições contrárias. A sua originalidade consiste em transfigurar a polêmica literária em narrativas como "Capitu Sou Eu" (do livro homônimo), "Capitu Sem Enigma" (de "Dinorá") ou "O Mestre e a Aluna" (do novo volume).
Neste conto, uma aluna de letras vai ao apartamento do orientador para entregar, no último dia de seu prazo, uma tese sobre o romance de Machado de Assis. Rapidamente, o professor escancara suas intenções libidinosas. Ela se pergunta: "Ai de mim, bem o que eu temia. O que, na minha vez, faria Capitu? Não se sacrificou ao marido e senhor para sua ascensão social?". Não é difícil imaginar que logo a estudante está adorando a sessão ("o vinho na taça roubada é mais doce").
O paralelo entre os dois textos é mais do que explicitado. Mesmo quem não defende a idéia da traição ou acredita que o problema é insolúvel (inseridos em uma das duas posições, quase todos os colegas de profissão deste personagem tão "atirado"), dificilmente resiste, assim como a moça, ao jogo de sedução cafajeste ali proposto: "O obelisco impávido colosso ali na minha cara. Dispensa mandar. Lambo desde as fundações até o supremo capitel". Até porque, em literatura, a razão é de outra ordem.


Adriano Schwartz é professor de arte, literatura e cultura no Brasil da Escola de Artes, Ciências e Humanidades da USP-Leste e autor de "O Abismo Invertido" (Globo).

Rita Ritinha Ritona
   
Autor: Dalton Trevisan
Editora: Record
Quanto: R$ 24,90 (128 págs.)


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