São Paulo, domingo, 04 de junho de 2006

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DVDs

Crítica/"Profissão: Repórter"

Antonioni explora arquitetura e emoções em última obra-prima

MARCOS STRECKER
DA REPORTAGEM LOCAL

"Os atores não têm importância nenhuma. São peças do cenário, elementos da paisagem que o diretor deve movimentar", disse uma vez Michelangelo Antonioni. Reação de Jack Nicholson: "Preciso trabalhar com esse cara de qualquer jeito". Essa pequena anedota foi contada pelo próprio Nicholson em Cannes, há poucos anos, demonstrando uma admiração ainda intocada pelo mestre italiano. "Profissão: Repórter", a obra-prima que uniu os dois e que também tinha "O Passageiro" antes do atual título, completou 30 anos e sai agora em DVD no Brasil. O filme começa no deserto (foi filmado na Argélia). Nicholson é um repórter de TV que deve registrar a situação política conflagrada de um país africano. Conhece um homem de negócios em um hotel semi-deserto, num local perdido. Quando o conhecido morre subitamente, ele resolve adotar uma nova identidade. Com o passaporte e a agenda do estranho, passa a assumir compromissos em diferentes cidades. E descobre que virou um traficante de armas, uma peça do jogo político e terrorista que registrava como repórter. A trama o leva à Alemanha e à Espanha. Tudo tem a ver com a exploração de espaços. O filme torna-se um road-movie, um caderno de notas sobre emoções e arquitetura, sobre a perda de identidade e a incomunicabilidade. Tudo é transformado em estética. Do kitsch provinciano alemão, em Munique (ironia de um italiano...), à arquitetura ousada de Gaudí, em Barcelona, passando por Londres, o longa é um rico painel do olhar ultra-sofisticado de Antonioni. As construções de Gaudí, o arquiteto que desafiou a geometria e para quem os espaços precisavam ser ditados pelo inconsciente, são cenário do encontro de Nicholson com outra errante, interpretada por Maria Schneider. O final do filme tem uma das passagens mais famosas da história do cinema, um plano-seqüência de sete minutos com uma câmera móvel que acompanha e depois abandona o personagem num ambiente de perplexidade e desolação. Tudo é mínimo, o tom emocional é de calculada indiferença. A frieza de olhar leva até a cenas registrando a morte de um prisioneiro africano, executado diante de um pelotão de fuzilamento. É uma impressionante imagem verídica, que dura segundos intermináveis. Antonioni considera este, com razão, seu filme mais político. Não à toa Hitchcock soltava palavrões quando via a riqueza de temas e a economia formal dos clássicos de Antonioni. Esta foi sua última grande obra antes do acidente vascular que o deixaria mudo e parcialmente sem movimento. É uma pena que "Além das Nuvens", o filme que deveria reinaugurar sua carreira, em 1995, co-dirigido por seu discípulo direto, Wim Wenders, não tenha feito justiça a nenhum dos dois.


PROFISSÃO: REPÓRTER     
Distribuição:
Sony
Quanto: R$ 34, em média


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