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'Dama da Noite' dá aula de sexo, solidão e morte
NELSON DE SÁ
da Reportagem Local
Gilberto Gawronski é o mesmo
ótimo ator de "Na Solidão dos
Campos de Algodão", de Bernard-Marie Koltés, um espetáculo
em que surge um pouco à sombra
do mais conhecido Ricardo Blat,
mas em que alcança um histrionismo e uma pungência que alteram,
no final da apresentação, a disposição inicial. Apesar dos prêmios
de Blat.
Neste "A Dama da Noite", adaptação de um conto de Caio Fernando Abreu, escritor (também autor
teatral, mas não no caso) morto
em consequência de Aids em 1996,
o gaúcho Gawronski vai além.
As idéias do autor se mantêm,
muito do próprio texto, a própria
forma do "diálogo" de uma "dama da noite" (Um travesti? Uma
prostituta? Uma balzaquiana solitária? Poderia ser qualquer das alternativas) com um jovem, um
"boy" que só faz ouvir, em algum
bar, de madrugada.
Mas, para além do discurso e das
belas imagens sobre a morte, a solidão e a "roda" (a sociedade como o jovem e o espectador a conhecemos, e da qual a dama da
noite está apartada), o ator alcança
uma corrosão cômica de
"stand-up" digna de um Spalding
Gray, do Wooster Group, ou de
Karen Finley, programada para o
mesmo projeto "Babel".
Sobre a "roda": "Eu aqui, sentada no bar, sem fazer nada. Como
se tivesse desaprendido a linguagem dos outros. A linguagem que
eles usam para se comunicar,
quando rodam, nessa roda-gigante. Você? Você tem um passe para a
roda-gigante. Uma senha. Você fala qualquer coisa, então o cara deixa você entrar, sentar e rodar com
os outros. Eu sempre do lado de
fora, sem saber a palavra certa.
Olhando de fora".
Ele/ela fala com o público, conversa com o espectador como se
fosse este o "boy", o que já fazia na
pequena sala em que se apresenta,
no Rio, segundo relatos -e que
manteve com dificuldade na sala
maior e pouco intimista (e sem
isolamento acústico) criada pelo
Sesc num posto abandonado, em
Pinheiros.
Na apresentação de segunda-feira, Gawronski começou frio, "teatral", demorando a encontrar o
diálogo com o público e o próprio
tom do personagem. Mas foi alcançando aos poucos e, de sua
"gaiola" de luzes e metal, deu aula, como diz ao final, de sexo, solidão, morte -e vida.
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