São Paulo, quarta, 4 de junho de 1997.



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'Dama da Noite' dá aula de sexo, solidão e morte

NELSON DE SÁ
da Reportagem Local

Gilberto Gawronski é o mesmo ótimo ator de "Na Solidão dos Campos de Algodão", de Bernard-Marie Koltés, um espetáculo em que surge um pouco à sombra do mais conhecido Ricardo Blat, mas em que alcança um histrionismo e uma pungência que alteram, no final da apresentação, a disposição inicial. Apesar dos prêmios de Blat.
Neste "A Dama da Noite", adaptação de um conto de Caio Fernando Abreu, escritor (também autor teatral, mas não no caso) morto em consequência de Aids em 1996, o gaúcho Gawronski vai além.
As idéias do autor se mantêm, muito do próprio texto, a própria forma do "diálogo" de uma "dama da noite" (Um travesti? Uma prostituta? Uma balzaquiana solitária? Poderia ser qualquer das alternativas) com um jovem, um "boy" que só faz ouvir, em algum bar, de madrugada.
Mas, para além do discurso e das belas imagens sobre a morte, a solidão e a "roda" (a sociedade como o jovem e o espectador a conhecemos, e da qual a dama da noite está apartada), o ator alcança uma corrosão cômica de "stand-up" digna de um Spalding Gray, do Wooster Group, ou de Karen Finley, programada para o mesmo projeto "Babel".
Sobre a "roda": "Eu aqui, sentada no bar, sem fazer nada. Como se tivesse desaprendido a linguagem dos outros. A linguagem que eles usam para se comunicar, quando rodam, nessa roda-gigante. Você? Você tem um passe para a roda-gigante. Uma senha. Você fala qualquer coisa, então o cara deixa você entrar, sentar e rodar com os outros. Eu sempre do lado de fora, sem saber a palavra certa. Olhando de fora".
Ele/ela fala com o público, conversa com o espectador como se fosse este o "boy", o que já fazia na pequena sala em que se apresenta, no Rio, segundo relatos -e que manteve com dificuldade na sala maior e pouco intimista (e sem isolamento acústico) criada pelo Sesc num posto abandonado, em Pinheiros.
Na apresentação de segunda-feira, Gawronski começou frio, "teatral", demorando a encontrar o diálogo com o público e o próprio tom do personagem. Mas foi alcançando aos poucos e, de sua "gaiola" de luzes e metal, deu aula, como diz ao final, de sexo, solidão, morte -e vida.




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