São Paulo, terça-feira, 04 de julho de 2000


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DISCOS
k.d. lang, a inocência; Sinéad, a culpa


Verão e amor são os temas de "Invincible Summer"


PEDRO ALEXANDRE SANCHES
DA REPORTAGEM LOCAL

O sol está a pino. Temático, "Invincible Summer", o nono álbum da cantora e compositora canadense k.d. lang (ela só gosta das minúsculas), 38, existe para relacionar os raios quentes do verão ao advento do amor.
Ela chama o empreendimento de conceitual e diz que o concebeu sob as influências de Mama's and Papa's, de surf punk e de "um monte de música brasileira".
Não é bem o que aparece no resultado. Desde seu visual, "Invincible Summer" evoca discos negros de meados dos anos 70, aqueles de funk já pendendo à disco music, em especial os trabalhos "blaxploitation" de Isaac Hayes e Bobby Womack.
Somam-se a isso letras e melodias inocentes, fundos à Beach Boys e toda uma atmosfera "easy listening", de sala de estar, bem Burt Bucharach -deve ser o que ela entende por bossa nova.
De início identificada com a country music (com ápice em "Absolute Torch and Twang", de 89), k.d. lang ganhou mundo ao se moldar grande intérprete e autora de canções cheias, sentimentais.
Certa dose de dramaticidade tornou-a pesadamente romântica, um Bryan Ferry mulher. "Invincible Summer" entrega-a à leveza, talvez para romper o hábito que nublava seu semblante.
Até podia ser o inverso, mas a guinada (populista?) aproximou-a mais ainda do apreço pelos modos de cantar -tanto quanto seu humor, a voz está ensolaradíssima. É só ouvir "The Consequences of Falling" (cantiga de acordar, não de ninar) ou os vocais do final de "When We Collide".
Há muita praia: na disco-funk "It's Happening with You" ou no funk almofadado "Summerfling" (que celebra "o cheiro de domingo nos nossos cabelos"), de arranjo vocal co-elaborado por, pasme, Alex Gifford, dos Propellerheads (para quem ainda pensa k.d. como cantora country).
Há muita água: no roquinho climático "Extraordinary Thing" ou na salgada "Love's Great Ocean". Bolhinhas escapam de entre os vocais elaborados de "What Better Said" e "Curiosity" (a coisa mais fofa de todo o CD).
Sobretudo há muito sol queimando o CD, feito para ser talvez o melhor de tudo que ela já fez -mais ainda que os já leves "Ingénue" (92) ou que "All You Can Eat" (95), e mais, muito mais que o escuro "Drag" (97), todo dedicado a cigarros e outras fumaças.
A síntese ela procura em "Simple", ode implícita a Brian Wilson (o complexo líder dos Beach Boys), dedicada a afirmar e reafirmar que o amor é a mais simples das coisas. Aí está o subtexto: ativista lésbica, k.d. dedica-se, mais que nunca, a dissipar clichês de drama, de peso, de tormenta. Quer falar de sol, céu, mar e amor. E que tudo mais vá para o inferno.


Invincible Summer     
Artista: k.d. lang Lançamento: Warner Quanto: R$ 20, em média



Irlandesa chora e se debate no novo CD


DA REPORTAGEM LOCAL

S e k.d. lang anda olhando para o céu e rindo à toa, a irlandesa Sinéad O'Connor, 33, lança "Faith and Courage", seu primeiro álbum cheio desde 94, confusa, bem confusa.
De trajetória pessoal acidentada -com currículo que abriga tentativas de suicídio, conflitos com o papa e uma recente ordenação como padre (sim, isso mesmo) de uma igreja católica dissidente-, ela volta sublinhando controvérsias extramusicais.
Ao divulgar o primeiro single do novo disco, "No Man's World", proclamou-se lésbica numa entrevista, para logo em seguida se desdizer e afirmar que se sente "mais atraída por homens do que por mulheres". No lençol de tal turbulência desliza também sua música, e "Faith and Courage" é disco que confere impressão negativa à turbulência.
Nem sempre foi assim. Braveza e agressividade a impeliram na furiosa estréia com "The Lion and the Cobra" (87), álbum tão adolescente quanto profundamente sincero. Depois, em "I Do Not Want What I Haven't Got" (90), assumiu a sombra de tragédias como "estou estirada em seu túmulo" e fez seu mais inteiriço trabalho até hoje. Magoada (de novo por razões menos musicais que de outra ordem), tentou as canções de cabaré e a maternidade.
"Universal Mother" (94) iniciou fase carola, de religiosidade entre culpada e chorosa -cumpria a sina pop irlandesa, de gente como U2 e Cranberries. Agora, de novo. Se culpa e autoflagelo cristãos nem são tão evidentes nas letras, extravasam enfim pela musicalidade, redundando em aparente necessidade de soar instável, desagradável, dura aos ouvidos.
Assim, há coisas como o rock revoltado "Daddy I'm Fine" (mais para Guns'n Roses que para a moça agressiva que ela já foi), o quase hino de igreja "The Healing Room" ("eu tenho um universo dentro de mim", choraminga), o baixo astral de " "Till I Whisper U Something" ("se você nunca viu tempo bom/ como poderia reconhecê-lo?"), o canto para Deus e Jesus Cristo "Kyrié Eléison"...
Os equívocos vão se somando. Uma bateria programada martela pelo disco afora, cansativa; alguns efeitos parecem querer evocar a depressão estéril de Portishead; ecos envelhecidos do Prince dos 80 se ouvem (como em "Jealous", até que simpática afinal); a voz não chega muito longe nem no áspero nem no suave (e ela já atingira em cheio ambos os extremos).
"Faith and Courage" resulta, de tudo isso, ainda um testemunho sincero dos demônios de Sinéad. Mas, chorona demais de suas penas, ela parece mais se aproximar, conforme envelhece, da adolescência eterna de, por exemplo, uma Alanis Morissette. E essa moça já esteve muito adiante de coisas como essa. (PAS)


Faith and Courage  
Artista: Sinéad O'Connor Lançamento: Atlantic/Warner Quanto: R$ 20, em média




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