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"CONTO DE OUTONO"
Rohmer fisga sem concessões ao público
INÁCIO ARAUJO
CRÍTICO DA FOLHA
"Conto de Outono" é, em
primeiro lugar, uma comédia de quiproquós de superficialidade quase tocante. Ali a livreira Isabelle (Marie Rivière)
busca um companheiro para sua
melhor amiga, Magali (Béatrice
Romand), via anúncio de jornal,
sem que ela saiba.
Viúva, 45 anos, Magali vive recolhida em sua pequena fazenda,
e detesta a idéia de buscar alguém
por anúncio. Ela é viticultora e no
outono é que se dá a colheita das
uvas. Gérald (Alain Libolt), a vítima escolhida por Isabelle, ignora
a trama. Para tanto, Isabelle finge
ser ela a mulher que se anuncia.
Pode-se imaginar daí que as
confusões acontecerão. Não serão
poucas. Mas nunca ultrapassarão
o nível de profundidade das comédias de boulevard.
O que faz, então, deste "Conto"
um filme tão fascinante?
Talvez seja, em primeiro lugar,
esse apego pela superficialidade
que Eric Rohmer faz questão de
ostentar. Tudo o que acontece
acontece ao nível das aparências.
E o cinema não é outra coisa senão uma arte de aparências.
Quem quiser encontrar psicologia profunda encontrará mais facilmente nos romances. Mas
quem quiser saber o que é uma vinha, como fazer para obter boas
uvas -bem, nesse caso o cinema
é a melhor das artes. A que melhor pode dar conta de um modo
de ser em certo lugar e em determinado momento.
Esse é um ponto de vista de que
Rohmer parece não abrir mão e
sobre cuja aparente simplicidade
repousa, entre outros, o mistério
de seus atores. Nunca os sentimos
como profissionais. O mesmo vale para os cenários. E, se a história
não parece muito profunda, em
compensação ela nos fisga com
enorme facilidade.
No "Conto do Outono", último
filme (1998) da série "Contos das
Quatro Estações", o realizador
francês se empenha em observar
as transformações da natureza e
seus caprichos, ao mesmo tempo
em que busca filmar sentimentos
de acordo com a estação referida.
O outono é, sabemos, o último
momento de esplendor da natureza antes do inverno. Os personagens serão outonais (entre 40 e
50 anos). E o outono em questão
será esplendoroso. Rohmer não
precisa se esforçar para mostrar
os encantos do Sul da França.
Precisa, sim, recorrer a todo o
seu rigor para que a essa beleza
das coisas não venha se acrescentar a gordurosa beleza que por vezes os diretores de cinema pretendem adicionar às coisas.
Como as coisas parecem querer
agradecer-lhe, aqui, por esse respeito, temos um raro exemplo de
filmes inteiramente sem concessões ao espectador, porém inteiramente ao gosto do espectador.
Conto de Outono
Conte d'Automne
Produção: França, 1998
Diretor: Eric Rohmer
Com: Marie Rivière, Béatrice Romand
Quando: a partir de hoje no Top Cine 2
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