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São Paulo, sexta-feira, 04 de julho de 2003

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"CONTO DE OUTONO"

Rohmer fisga sem concessões ao público

INÁCIO ARAUJO
CRÍTICO DA FOLHA

"Conto de Outono" é, em primeiro lugar, uma comédia de quiproquós de superficialidade quase tocante. Ali a livreira Isabelle (Marie Rivière) busca um companheiro para sua melhor amiga, Magali (Béatrice Romand), via anúncio de jornal, sem que ela saiba.
Viúva, 45 anos, Magali vive recolhida em sua pequena fazenda, e detesta a idéia de buscar alguém por anúncio. Ela é viticultora e no outono é que se dá a colheita das uvas. Gérald (Alain Libolt), a vítima escolhida por Isabelle, ignora a trama. Para tanto, Isabelle finge ser ela a mulher que se anuncia.
Pode-se imaginar daí que as confusões acontecerão. Não serão poucas. Mas nunca ultrapassarão o nível de profundidade das comédias de boulevard.
O que faz, então, deste "Conto" um filme tão fascinante?
Talvez seja, em primeiro lugar, esse apego pela superficialidade que Eric Rohmer faz questão de ostentar. Tudo o que acontece acontece ao nível das aparências.
E o cinema não é outra coisa senão uma arte de aparências. Quem quiser encontrar psicologia profunda encontrará mais facilmente nos romances. Mas quem quiser saber o que é uma vinha, como fazer para obter boas uvas -bem, nesse caso o cinema é a melhor das artes. A que melhor pode dar conta de um modo de ser em certo lugar e em determinado momento.
Esse é um ponto de vista de que Rohmer parece não abrir mão e sobre cuja aparente simplicidade repousa, entre outros, o mistério de seus atores. Nunca os sentimos como profissionais. O mesmo vale para os cenários. E, se a história não parece muito profunda, em compensação ela nos fisga com enorme facilidade.
No "Conto do Outono", último filme (1998) da série "Contos das Quatro Estações", o realizador francês se empenha em observar as transformações da natureza e seus caprichos, ao mesmo tempo em que busca filmar sentimentos de acordo com a estação referida.
O outono é, sabemos, o último momento de esplendor da natureza antes do inverno. Os personagens serão outonais (entre 40 e 50 anos). E o outono em questão será esplendoroso. Rohmer não precisa se esforçar para mostrar os encantos do Sul da França.
Precisa, sim, recorrer a todo o seu rigor para que a essa beleza das coisas não venha se acrescentar a gordurosa beleza que por vezes os diretores de cinema pretendem adicionar às coisas.
Como as coisas parecem querer agradecer-lhe, aqui, por esse respeito, temos um raro exemplo de filmes inteiramente sem concessões ao espectador, porém inteiramente ao gosto do espectador.


Conto de Outono
Conte d'Automne
    
Produção: França, 1998
Diretor: Eric Rohmer
Com: Marie Rivière, Béatrice Romand
Quando: a partir de hoje no Top Cine 2



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