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7ª FESTA LITERÁRIA INTERNACIONAL DE PARATY
"Tenho relação complicada com Brasil"
O autor português António Lobo Antunes, que não vinha há 26 anos ao país, fala hoje à noite na principal mesa da 7ª Flip
"A única coisa que me interessa é o trabalho com as palavras", afirma autor, que diz ter se surpreendido com livro de Aluísio Azevedo
MARCOS STRECKER
ENVIADO ESPECIAL A PARATY
António Lobo Antunes, 66,
está surpreso com a recepção
que está tendo no Brasil. "Não
imaginava. Na Europa, no México, na Colômbia, Argentina...
mas aqui não sabia. As pessoas
foram muito calorosas, generosas, foi muito comovente."
Há 26 anos Lobo Antunes
não vinha ao Brasil. Suas obras
são pouco conhecidas aqui e
durante anos nem foram editadas no país. Mas não é só isso.
"Tenho uma relação íntima
muito complicada com o Brasil.
A família Lobo veio para cá no
século 17. E a família Antunes,
no 18. Daí meu avô voltou para
Portugal. Os seus livros, herdados do pai dele, eram brasileiros. Foram os livros da minha
infância. Autores como Machado de Assis. Me lembro de ter lido na adolescência "Casa de
Pensão", de Aluísio Azevedo, fiquei impressionado com as cenas eróticas. Para mim foi uma
surpresa muito grande".
Atualmente, além da projeção no Brasil, Lobo Antunes vive uma fase de reconhecimento. Venceu o Prêmio Camões
em 2007 e o Prêmio Juan Rulfo
em 2008. Recentemente, ganhou perfil elogioso no "New
York Times".
Essa fase se seguiu a um período difícil. Teve um câncer
diagnosticado em 2007 e precisou ser operado pelo amigo
Henrique Bicha Castelo, a
quem dedica "O Meu Nome É
Legião", seu último livro lançado aqui. Está recuperado, mas a
experiência foi fundamental.
"Recebi muitas cartas. Descobri que as pessoas tinham
uma fé em mim que eu não
compartilhava. Nunca imaginei tudo o que aconteceu depois. Todos esses prêmios. Isso
coloca outro tipo de problema.
Sentir que se faz alguma coisa à
frente do seu tempo significa
que não se pode ter a unanimidade. Quando há a unanimidade, você começa a se perguntar:
"O que eu fiz mal [errado]'?"
Mas a doença deixou marcas.
"Tive muita sorte. O câncer tira
a sua eternidade. Minha mãe,
por exemplo, vive em função da
eternidade de um ano. Quando
Maria Antonieta pediu ao carrasco, no cadafalso, mais um
minuto, para ela um minuto era
eterno. Quando você tem 20
anos, vive uma eternidade de
50 anos. Essas eternidades, seja
de um minuto, cinco anos ou 50
anos, todas têm a mesma duração. Com a doença, você fica
privado da eternidade, esse é o
sentimento mais estranho. E
depois tem a volta. Será que eu
vou voltar a escrever?"
Lobo Antunes tem o ar cansado, fala baixo. Diz que é muito cansativo escrever seus livros. No início, escrevia meia
hora e já ficava cansado. "Hoje
escrevo três horas e fico exausto." Ele escreve todos os seus livros à mão. "Olha aqui", mostra
o calo no dedo.
"Meu Nome É Legião" é um
painel da juventude marginalizada de Portugal, mergulhada
na violência. Quem narra é um
policial, amargurado, mas também há as vozes dos jovens.
"São jovens que vieram de antigas colônias. Não pertencem a
uma África que perderam nem
a um Portugal que não ganharam. Há a miséria. Essas crianças não têm referência nenhuma. São completamente desenraizadas. Apesar da violência,
acho que por trás daquilo há
um grande desejo de amor, de
ser entendido."
O autor comenta o fato de
seus livros terem tantas vozes.
"Os críticos discutem muito essa polifonia nos meus livros.
Mas acho que são todas a mesma pessoa, há uma só voz".
"Não me interessa fazer
obras naturalistas ou contar
histórias. Meus livros exigem
bastante do leitor. A única coisa
que me interessa é o trabalho
com as palavras. A intriga não
interessa nada."
Seu próximo livro, "Que Cavalos São Aqueles Que Fazem
Sombra no Mar?", já está pronto há um ano e será lançado em
outubro em Portugal. No Brasil, a Objetiva/Alfaguara estuda
lançar ainda neste ano.
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