São Paulo, sábado, 04 de julho de 2009

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7ª FESTA LITERÁRIA INTERNACIONAL DE PARATY

"Tenho relação complicada com Brasil"

O autor português António Lobo Antunes, que não vinha há 26 anos ao país, fala hoje à noite na principal mesa da 7ª Flip

"A única coisa que me interessa é o trabalho com as palavras", afirma autor, que diz ter se surpreendido com livro de Aluísio Azevedo

MARCOS STRECKER
ENVIADO ESPECIAL A PARATY

António Lobo Antunes, 66, está surpreso com a recepção que está tendo no Brasil. "Não imaginava. Na Europa, no México, na Colômbia, Argentina... mas aqui não sabia. As pessoas foram muito calorosas, generosas, foi muito comovente."
Há 26 anos Lobo Antunes não vinha ao Brasil. Suas obras são pouco conhecidas aqui e durante anos nem foram editadas no país. Mas não é só isso. "Tenho uma relação íntima muito complicada com o Brasil. A família Lobo veio para cá no século 17. E a família Antunes, no 18. Daí meu avô voltou para Portugal. Os seus livros, herdados do pai dele, eram brasileiros. Foram os livros da minha infância. Autores como Machado de Assis. Me lembro de ter lido na adolescência "Casa de Pensão", de Aluísio Azevedo, fiquei impressionado com as cenas eróticas. Para mim foi uma surpresa muito grande".
Atualmente, além da projeção no Brasil, Lobo Antunes vive uma fase de reconhecimento. Venceu o Prêmio Camões em 2007 e o Prêmio Juan Rulfo em 2008. Recentemente, ganhou perfil elogioso no "New York Times".
Essa fase se seguiu a um período difícil. Teve um câncer diagnosticado em 2007 e precisou ser operado pelo amigo Henrique Bicha Castelo, a quem dedica "O Meu Nome É Legião", seu último livro lançado aqui. Está recuperado, mas a experiência foi fundamental.
"Recebi muitas cartas. Descobri que as pessoas tinham uma fé em mim que eu não compartilhava. Nunca imaginei tudo o que aconteceu depois. Todos esses prêmios. Isso coloca outro tipo de problema. Sentir que se faz alguma coisa à frente do seu tempo significa que não se pode ter a unanimidade. Quando há a unanimidade, você começa a se perguntar: "O que eu fiz mal [errado]'?"
Mas a doença deixou marcas. "Tive muita sorte. O câncer tira a sua eternidade. Minha mãe, por exemplo, vive em função da eternidade de um ano. Quando Maria Antonieta pediu ao carrasco, no cadafalso, mais um minuto, para ela um minuto era eterno. Quando você tem 20 anos, vive uma eternidade de 50 anos. Essas eternidades, seja de um minuto, cinco anos ou 50 anos, todas têm a mesma duração. Com a doença, você fica privado da eternidade, esse é o sentimento mais estranho. E depois tem a volta. Será que eu vou voltar a escrever?"
Lobo Antunes tem o ar cansado, fala baixo. Diz que é muito cansativo escrever seus livros. No início, escrevia meia hora e já ficava cansado. "Hoje escrevo três horas e fico exausto." Ele escreve todos os seus livros à mão. "Olha aqui", mostra o calo no dedo.
"Meu Nome É Legião" é um painel da juventude marginalizada de Portugal, mergulhada na violência. Quem narra é um policial, amargurado, mas também há as vozes dos jovens. "São jovens que vieram de antigas colônias. Não pertencem a uma África que perderam nem a um Portugal que não ganharam. Há a miséria. Essas crianças não têm referência nenhuma. São completamente desenraizadas. Apesar da violência, acho que por trás daquilo há um grande desejo de amor, de ser entendido."
O autor comenta o fato de seus livros terem tantas vozes. "Os críticos discutem muito essa polifonia nos meus livros. Mas acho que são todas a mesma pessoa, há uma só voz".
"Não me interessa fazer obras naturalistas ou contar histórias. Meus livros exigem bastante do leitor. A única coisa que me interessa é o trabalho com as palavras. A intriga não interessa nada."
Seu próximo livro, "Que Cavalos São Aqueles Que Fazem Sombra no Mar?", já está pronto há um ano e será lançado em outubro em Portugal. No Brasil, a Objetiva/Alfaguara estuda lançar ainda neste ano.


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