São Paulo, sábado, 4 de julho de 1998

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CINEMA
Livro disseca "Um Corpo Que Cai"

AMIR LABAKI
de Nova York

Quarenta anos depois de sua estréia, "Um Corpo Que Cai" ("Vertigo", de 1958) continua a ser o mais polêmico dos filmes de Alfred Hitchcock (1899-1980).
Seus defensores acabam de ganhar uma nova bíblia. "Vertigo - The Making of a Hitchcock Classic" (St. Martin's Press, 220 págs.), livro de estréia de Dan Auiler, devassa como nunca antes os bastidores da produção.
Auiler segue os passos de Stephen Rebello, que, em 1990, lançou uma impecável reconstituição da feitura de "Psicose" (1960). A fonte principal de ambos é a coleção de documentos de Hitchcock depositada na biblioteca da Academia de Artes e Ciências Cinematográficas de Hollywood.
Rebello escreve com mais estilo que Auiler e não se aventura em interpretações críticas superficiais como a do colega. Mas a paixão de Auiler o faz encher seu livro-reportagem com um maior número de novidades -e derrubar mitos.
"D'Entre les Morts", o romance que deu origem ao filme, não foi escrito já tendo em vista sua adaptação por Hitchcock. Auiler extrai a revelação numa entrevista com um dos autores do livro, Thomas Narcejac (o outro é Pierre Boileau).
Os direitos para a versão cinematográfica foram adquiridos pela Paramount para Hitchcock ainda antes da tradução inglesa do volume. A atenção sobre Narcejac-Boileau foi despertada pelo sucesso de "As Diabólicas" (1955), de Henri-Georges Clouzot, uma adaptação "hitchcockiana" do primeiro livro da dupla.
A roteirização foi atribulada e atípica para um projeto de Hitch. Quatro roteiristas participaram, em etapas distintas: Maxwell Anderson, Angus MacPhail, Alec Coppel e Samuel Taylor. Os créditos fazem justa referência apenas aos dois últimos, dada a efêmera participação dos outros.
Coppel desenvolveu com Hitchcock a estrutura básica do filme. O método foi o de sempre: longas conversas diárias, num período de dois meses. Insatisfeito com a primeira versão completa, que considerava por demais fantasiosa, Hitch chamou Taylor.
Dois problemas de saúde afastaram Hitch por meses da roteirização. Taylor acabou desenvolvendo outra versão sozinho.
O ponto mais discutido do filme, quando se revela bem antes do final o segredo da protagonista vivida por Kim Novak, foi criado por Taylor. Hitch inicialmente aprovou a idéia, rodando-a como escrita. Durante a montagem, arrependeu-se e a cortou fora.
Auiler revela que a sequência só foi incluída definitivamente no filme oito dias antes do lançamento em San Francisco, em 9 de maio de 1958.
Não menos longa foi a discussão em torno do título. Auiler recupera nada menos que 51 propostas. "From Among the Dead" (Dentre os Mortos), tradução literal do nome do livro em francês, foi o título de trabalho até quase o fim das filmagens. Hitch acabou escolhendo "Vertigo" (Vertigem), contra a vontade da Paramount.
Ao reconstituir a rodagem dia-a-dia, Auiler revela que o famoso e imitadíssimo efeito de vertigem, obtido com um "zoom" para a frente e um movimento da câmera para trás, foi criado pelo fotógrafo-assistente Irmin Roberts.
Na ponta do lápis, prova ainda que o filme, mal recebido pela crítica, não estourou nas bilheterias -mas deu lucro.



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