São Paulo, sexta-feira, 04 de agosto de 2000


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CINEMA/ESTRÉIAS

"REPULSA AO SEXO"
Polanski cria metáfora da fragmentação urbana

ALVARO MACHADO
ESPECIAL PARA A FOLHA

Ainda horripilante aos 35 anos de idade, "Repulsa ao Sexo" é relançado em São Paulo em cópia nova. O filme pertence ao "primeiro Polanski". Até o premiado "Tess", de 1979, o cineasta era um criador original, com domínio magistral do "thriller".
"Enfant terrible" à esquerda de Alfred Hitchcock (por seu "Bebê de Rosemary", de 1968, e por este "Repulsion"), assinou também o "noir" "Chinatown" (1974).
A partir de "Piratas" (1985), o cineasta se tornaria um simulacro de si mesmo, como se estivesse em uma das tramas bizarras que inventou com seu "cúmplice", o roteirista francês Gérard Brach.
"Repulsa ao Sexo", apenas o segundo longa-metragem de Polanski, confirmava um olho infernal para detalhes cenográficos em enquadramentos eloquentes, intimidade mefistofélica com a personalidade dos atores (aqui sua Margarida fáustica é Catherine Deneuve em botão, aos 21) e uma narrativa de tal forma limpa que, a rigor, o filme poderia prescindir de diálogos -pena, porém, se não existisse a preciosa trilha sonora jazzy de Chico Hamilton.
Nessa primeira fase, Roman Polanski alimentou fixação pelas (des)proporções de significação que apartamentos em selvas de concreto podem assumir no comportamento de cada um de seus habitantes.
Construiu uma "trilogia do apartamento macabro" com "Repulsa ao Sexo", "O Bebê de Rosemary" e "O Inquilino" (1976), focalizando respectivamente Londres, Nova York e Paris.
Mais plausível que a existência de fantasmas com sobrenome e endereço é a idéia de que paisagens, cidades e moradias projetam em nossa mente sua "personalidade". Como a normalidade interessa pouco ao cinema, é a face negativa desse fenômeno que o cineasta resolveu abordar.
Em "Repulsa", a psique de Carol, manicure belga solitária em Londres, se desintegra sob nossos olhos. Trama absorvente, inspirada no comportamento de pessoa das relações de Polanski, mas também metáfora para um fenômeno social de fragmentação de proporções vastíssimas, que apenas começava a se delinear.
Carol/Deneuve é boneca frágil de carne, sem qualquer aptidão para as chantagens e hipotecas emocionais e sexuais adotadas como norma de conduta.
Incapaz de capitalizar qualquer relacionamento, a esquizofrênica se deixa vampirizar pelo íncubo que se esconde nas paredes de seu apartamento. De resto, um destino partilhado por milhares de zé-ninguéns urbanos em seus compartimentos de concreto.
Polanski toma emprestadas as poéticas mãos de pedra de "A Bela e a Fera", de Cocteau, e, num pesadelo de closes paranóicos, forja uma autêntica referência para o cinema de horror psicológico.


Repulsa ao Sexo
Repulsion      Direção: Roman Polanski Produção: Inglaterra, 1965 Com: Catherine Deneuve, Ian Hendry Quando: a partir de hoje no Top Cine 1




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