|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
Julian Barnes cultiva águas turvas
Contos de "Do Outro Lado da Mancha" tratam da relação entre ingleses e franceses
SYLVIA COLOMBO
EDITORA-ADJUNTA DA ILUSTRADA
Julian Barnes, 55, nunca atravessou o canal da Mancha a nado.
Ainda assim, cruzar os cerca de 33
km que separam a Inglaterra da
França é sua maior obsessão, que
realiza por meio de sua literatura.
O escritor inglês é um francófilo
assumido. Desde criança, influenciado pelos pais, ambos professores de francês, interessou-se pela
cultura do país vizinho.
"Do Outro Lado da Mancha",
coletânea de contos lançada agora
no Brasil, reúne dez histórias sobre ingleses na França nos últimos três séculos.
Da mesma geração de Ian McEwan e Martin Amis, Barnes é, hoje, um dos mais prestigiados escritores britânicos. Recebeu duas
indicações para o Booker Prize,
com "O Papagaio de Flaubert" e
"Inglaterra, Inglaterra" -lançado no Brasil no ano passado.
Atualmente, o escritor prepara
dois livros para o início do próximo ano: uma coleção de ensaios
sobre a França ("Something to
Declare") e uma tradução para o
inglês de um livro de Alphonse
Daudet (1840-1897).
Leia abaixo os principais trechos da entrevista que Julian Barnes concedeu à Folha, por telefone, de Londres, onde vive.
Folha - O que está por trás de seu
interesse pela França? É uma tentativa de entender melhor a Inglaterra ou apenas de fugir dela?
Julian Barnes - Até onde tenho
consciência, sou interessado pela
França apenas pelo que ela é. É
verdade que faço comparações o
tempo todo. Mas, quando se escolhe um segundo país, como fiz
com a França, a relação que temos
com ele é mais sentimental e idealizada. Por exemplo, eu nunca me
sinto responsável pelas coisas
ruins que acontecem lá. Por outro
lado, se vejo os maus políticos ingleses ou trens colidindo aqui,
acho que também sou culpado.
Folha - No conto sobre a construção da ferrovia de Paris a Rouen, no
século 19, os trabalhadores franceses e ingleses falam uma língua
mista e alguém diz: "É assim que
falaremos no futuro". Você acha
que a troca cultural entre França e
Inglaterra cresceu desde então?
Barnes - Quando pesquisei a história do período, fiquei surpreso
ao descobrir que havia mesmo
uma língua mista entre inglês e
francês que os operários falavam
e que praticamente desapareceu.
Imaginei que quem a ouvisse na
época pensaria: "Será que é assim
que falaremos no futuro?". Hoje,
uma língua única misturando inglês e francês é impensável.
Folha - Você costumava trabalhar
como lexicógrafo, assim como a
protagonista de "Eternamente". É
uma história autobiográfica?
Barnes - No começo dos anos 70,
trabalhei no "Oxford Dictionary".
E havia uma velha senhora que
um dia me contou que tivera um
noivo, mas que ele se "apaixonara" pela Revolução (russa) e partira. Pensei em como poderia ser a
vida de alguém que passa seus
dias sob a sombra de uma desaparição. Mais de 20 anos depois,
lembrei-me dela e escrevi essa história, sobre a lexicógrafa que passa a vida a guardar o túmulo de
um soldado inglês enterrado na
França durante a Primeira Guerra.
Folha - Em "Interferência", um
compositor inglês e a mulher, na
França, tentam em vão ouvir a
transmissão da rádio inglesa. A interferência é uma metáfora da falta de comunicação entre os países?
Barnes - Há duas idéias de interferência aí. A que mencionou e a
que uma vida exerce em outra,
sempre que se compartilha a existência. Nesse conto está o tema de
todo o livro: o que acontece quando pessoas se transportam para
outra cultura, o que perdem, o
que ganham e o que interfere.
Texto Anterior: Programação de TV Próximo Texto: Frases Índice
|