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ARTIGO
Um norte-americano de 27 anos nas pegadas de Lampião
DANIEL MASON
ESPECIAL PARA A FOLHA
Em 16 de junho deste ano, pela
segunda vez na minha vida, viajei
a Angicos (Ceará). Embarquei em
um pesqueiro em Piranhas, Alagoas, uma cidade pintada e agarrada ao rio São Francisco, e percorri o mesmo trajeto que, quase
65 anos atrás, as volantes realizaram corrente abaixo para atacar o
bando de cangaceiros acampado
na sombra e no silêncio de um leito seco de rio, com uma chuva de
balas que foi o início do fim para o
cangaço.
Minha primeira visita a Angicos
aconteceu de maneira mais acidental. Em dezembro do ano passado, vim ao Brasil com o objetivo
de encontrar uma história para
um segundo romance e terminei
visitando o sertão por um capricho, na verdade, pela fascinação
com as histórias da literatura de
cordel e a necessidade de acreditar que, neste mundo dominado
pela televisão, cinema e literatura
de mercado, uma forma quase
oral de narrativa pode persistir...
Em Caruaru, conheci meu primeiro cordelista, um vendedor
astuto que se despediu de mim
depois de me vender cópias de todos os folhetos que tinha.
Naquela noite, entre "Caruaru
Hoje e Ontem" e "A Moça que Virou uma Cobra", descobri que a
maior parte das histórias tratava
de um nome com um apelido engraçado e um olhar atemorizante,
que parecia ter capturado a imaginação dos narradores.
Se o que os títulos diziam merecia confiança, esse Lampião "lutara contra um menino que virou
porco", fizera amor com uma
mulher cujo nome é digno de um
conto de fadas e visitara tanto o
céu quanto o inferno.
Embora as histórias sobre o
porco talvez sejam questionáveis
em sua veracidade, a de Maria Bonita não era. E o mesmo poderia
ser dito, assim que descobri sobre
seus 20 anos fugindo da lei, sobre
as visitas dele ao céu e ao inferno,
ao menos em termos metafóricos.
E assim me vi sozinho com esses
livros de poesia e a crescente suspeita que se tem quando a gente
conhece alguém que se tornará
um companheiro constante.
Acabo de voltar de mais seis semanas no sertão. O que me encanta mais que as aventuras de
Lampião, histórias que persistem
nos lábios e nos livros dos poucos
pesquisadores dedicados que enfrentam o calor e o sol, é o quanto
a história dele está viva.
Nos Estados Unidos temos nossos grandes bandidos, como Jesse
James e Billy the Kid. Mas suas
histórias são em geral lendas estáticas, fixadas em seu lugar pela
história e pelo tempo, bem como
por um rico conjunto de literatura
e filmes.
Em Lampião, no entanto, é possível perceber ativamente o processo de como a história se transforma em lenda, uma coisa única
e preciosa para um escritor, especialmente um escritor de ficção.
Os idosos que conheci e entrevistei, que vinham caminhando
trôpegos de suas fazendas para
conversar sobre a vida durante o
cangaço, contavam histórias de
noites passadas no mato, lojas incendiadas, cidades abandonadas
quando surgia a notícia de que os
cangaceiros estavam por perto.
Das gerações mais jovens, ouvi
uma história diferente, a lenda de
um poeta e dançarino (e, aos
olhos de alguns, um rebelde) que
com o fuzil e a peixeira tornou impossível que uma parte do país esquecida por muito tempo continuasse a ser ignorada.
Deixei o sertão com o mesmo
sentimento que tive durante minha primeira partida, com nostalgia e planos de retornar. Lembro-me de, durante minha primeira
visita, ter imaginado por que, apesar da seca, do calor e da pobreza
incansável, os sertanejos continuavam a cantar canções sobre
voltar para casa.
Talvez seja o céu aberto, a hospitalidade de um povo que oferece sua última xícara de café a um
viajante sedento, ou os momentos
fugazes do final do dia, quando a
terra esfria, ganha um tom dourado, e a caatinga brilha com uma
cor que jamais eu vi em outro lugar. Ou talvez sejam os fantasmas
que assombram o lugar, as histórias contadas nas noites frias, que
causam assombro e a vontade de
voltar.
Daniel Mason, 27, é escritor norte-americano, autor de "O Afinador de Piano"
(Companhia das Letras) e participou da
Festa Literária Internacional de Parati
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