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Obra é a mais completa aula de cinema já dada
INÁCIO ARAUJO
CRÍTICO DA FOLHA
É difícil hoje imaginar o cinema sem Hitchcock. Mas
não era. Antes que os "jovens turcos" dos "Cahiers du Cinéma" tomassem a palavra, Hitchcock era,
para todos os efeitos, apenas um
bom diretor de filmes comerciais.
Foi com eles que tudo começou
a mudar. "Eles", no caso, são
Claude Chabrol, François Truffaut, Jean-Luc Godard, Jacques
Rivette, Eric Rohmer. Hoje são todos grandes nomes do cinema.
Na época eram a polêmica vanguarda da crítica jovem.
Criaram o hábito de sair com
gravador portátil em punho para
conversar com diretores de cinema. Faziam longas entrevistas,
que publicavam na íntegra.
É desse hábito que nasceu
"Hitchcock/Truffaut", a mais
completa aula de cinema que alguém já deu até hoje. Truffaut já
era um diretor consagrado, mas
nem por isso evitou o esforço de
dobrar o mestre inglês, isto é: de
forçá-lo a falar algo mais do que
banalidades. De fazê-lo falar sobre cinema. Queria demonstrar,
de uma vez por todas, que a alma
do cinema não é o tema, nem o
enredo, as estrelas ou a bilheteria,
mas a mise-en-scène.
Não falta, desde então, quem
não tenha pretendido refazer esse
trajeto. Joseph McBride fez uma
longa entrevista com Howard
Hawks. Mas Hawks conseguiu levá-lo no bico: a cada pergunta sobre como fazia tal coisa, respondia com uma longa história (não
raro inventada). Michel Ciment
tentou com Elia Kazan. O resultado diz muito sobre Kazan, o atormentado, mas não muito sobre
cinema.
"O Cinema Segundo François
Truffaut", de Anne Gillain, tem o
mérito de acompanhar o cineasta
ao longo de décadas; assim podemos saber o que pensava Truffaut
de "Os Incompreendidos", por
exemplo, nos anos 60, nos 70, nos
80. Acompanhamos a evolução
do seu pensamento e sua maneira
de se relacionar com o filme que
realizou, com aquilo que o cerca
(o sucesso, o fracasso, a imprensa) e com o próprio cinema.
O mais notável esforço do gênero, no entanto, deve-se a Peter
Bogdanovich. Além de diretor e
crítico, ele é um entrevistador
compulsivo. O seu grande trabalho é "Este É Orson Welles", em
que às entrevistas adiciona uma
quantidade enorme de informação e crítica.
Se esses seguidores criaram a
bela tradição do livro-entrevista
(que agora começa a se desenvolver no Brasil, graças à Imesp),
quem inaugura essa linhagem representa, também, seu apogeu:
"Hitchcock/Truffaut" continua
insubstituível.
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