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Morre João Alexandre Barbosa
Crítico literário, ex-professor de letras da USP e ex-presidente da Edusp teve complicações renais após sofrer um AVC
Barbosa tinha 68 anos; em
sua gestão à frente da
Edusp, transformou-a em
modelo de editora de
instituições universitárias
MANUEL DA COSTA PINTO
COLUNISTA DA FOLHA
Um intelectual poliédrico.
Assim poderia ser definido o
ensaísta e crítico literário João
Alexandre Barbosa -que morreu ontem aos 68 anos em São
Paulo, após longo período de
internação no Incor e de uma
série de complicações renais
que se seguiram a um AVC sofrido no início do ano.
Nascido em Recife em 1937,
autor de estudos sobre os poetas João Cabral de Melo Neto e
Paul Valéry, João Alexandre teve fundamental papel na consolidação do Departamento de
Teoria Literária e Literatura
Comparada da USP como um
centro de referência para os estudos literários, além de ter
mudado o panorama editorial
brasileiro com sua atuação à
frente da Edusp.
No prefácio a seu último livro
publicado em vida, "Mistérios
do Dicionário" (Ateliê), ele definiu os textos ali coligidos como "escritos de um leitor que,
cada vez mais, gosta menos das
"grandes teorias" e mais se compraz em exercer, com liberdade
e alegria, o jogo de relações, as
descobertas de pequenas e
inesperadas relações que a literatura tem para oferecer".
No entanto, mesmo nos ensaios esparsos, publicados em
jornais e revistas literárias, percebia-se a recorrência obsessiva de certos temas, como a noção de "releitura", termo que se
refere não apenas ao ato de reler um livro, mas ao reconhecimento das camadas de significado que vão sendo semeadas
numa grande obra literária e
que só podemos compreender
quando, terminada a leitura,
tornamos ao início.
Sob a liberdade e a alegria do
leitor, portanto, havia uma paixão pela teoria responsável por
um livro como "A Leitura do
Intervalo" (Iluminuras), no
qual faz uma reflexão sobre as
representações ficcionais de
conteúdos extraliterários sem
cair nos pólos opostos do reducionismo sociológico ou do formalismo.
Orientando de Antonio Candido no fim dos anos 60 (quando, após ser expulso da UnB por
motivos políticos, veio para São
Paulo), seus estudos sobre José
Veríssimo são complementares aos trabalhos sobre Silvio
Romero feitos pelo autor de
"Brigada Ligeira" -o que assinala uma preocupação comum
em compreender como se formou no Brasil um pensamento
crítico e a própria idéia de uma
cultura literária.
Mesmo nesses momentos de
grande complexidade conceitual, porém, ele seguiu o modelo do francês Valéry (sobre
quem deixou um livro inédito, a
ser publicado pela Iluminuras).
Preferia a escrita fragmentária
ou, como costumava dizer, um
"sentido de anotação", que consiste em transpor para a escrita
os acasos da experiência literária, recusando os sistemas totalizantes -que seriam uma maneira de "pacificar" a leitura, fixando um sentido unívoco para
o fenômeno literário.
A paixão de João Alexandre
pela literatura ia além do ato silencioso da leitura, envolvendo
a relação tátil com o livro. Por
isso, uma de suas obras mais
importantes foi o trabalho como editor. Presidente da Edusp
entre 1988 e 1993, transformou
uma instituição que apenas
participava de projetos de outras empresas numa editora de
fato, com identidade visual própria e um catálogo de rara coerência intelectual -e que constituiu modelo para o hoje importantíssimo segmento das
editoras universitárias.
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