São Paulo, terça-feira, 04 de agosto de 2009

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"Moscou" vira pesadelo de Coutinho

Diretor levou cinco meses para montar seu novo filme, processo mais longo de sua carreira; filme estreia na sexta-feira

Longe de ser "making of", documentário traz ensaios de peça de Tchekhov pelo Grupo Galpão, onde atores misturam suas memórias

Filipe Redondo/Folha Imagem
O cineasta Eduardo Coutinho, 76

FERNANDA EZABELLA
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA

Às 2h da manhã, o relógio de pulso de Eduardo Coutinho dispara o alarme, todos os dias.
O Casio digital com pulseira de borracha está assim ajustado, e ele não tem ideia de como mudá-lo. A pouca intimidade tecnológica mantém, dessa forma, o diretor distante de internet e celulares. Nunca viu YouTube.
Apesar de até considerar aprender a mexer num computador, viver assim não atrapalha a rotina de Coutinho, um dos mais renomados documentaristas brasileiros, realizador de sete filmes apenas nos últimos dez anos, incluindo "Santo Forte" (1999) e "Peões" (2004).
Problema mesmo foi "Moscou", no qual filmou os ensaios de uma peça de Tchekhov pelo Grupo Galpão, com o diretor convidado Enrique Diaz. Coutinho diz que pensou em parar de fazer cinema. Foi seu filme mais difícil, embora também o mais elaborado visualmente.
Enquanto o relógio de pulso é ajustado com ajuda da reportagem da Folha, em meio a uma entrevista, Coutinho lembra do sofrimento das gravações e dos cinco meses de montagem, a mais longa de sua carreira, que fez o filme passar de quatro horas para 80 minutos.
"Se eu faço um filme, gasto dinheiro, filmo 120 horas, e eu não encontro um filme, não dá.
Eu sou um velho reduzido a fraldas. Acabou, entendeu?", diz Coutinho, 76. "Foi uma crise realmente muito forte." Ao longo da entrevista, porém, surgem novas ideias.
"Queria fazer um filme que só tivesse citações [...] Podem ser citações de jornal [...], de uma portaria proibindo o cigarro", diz, segurando um dos sete cigarros fumados em 1h30.
"Mas não quero que ninguém conte a vida pra mim", insiste Coutinho, que ficou famoso pelas técnicas de entrevista. "Não posso voltar para trás. Estou tentando sair para outra coisa. Mas não é dogma."
De fato, esse movimento em busca do novo já começou em "Jogo de Cena" (2007), seu trabalho anterior, no qual atrizes interpretam histórias de mulheres comuns, num palco de teatro. Em "Moscou", as histórias são substituídas pela peça "As Três Irmãs", na qual as protagonistas sonham em voltar à capital russa. Os atores misturam suas memórias e experiências ao texto, dificultando diferenciar a vida da ficção.
"Eu não sei até hoje o que é verdade", diz o diretor sobre os exercícios nos quais os atores falavam sobre imagens ou pessoas registradas em fotografias.
"Não trabalho no Google, graças a Deus. O Google não sabe qual é a verdade."

Nada de "making of"
Coutinho não dirigiu ninguém, pela primeira vez na carreira. E mal dava palpites. "Estava na mão dos outros, entende? É uma sensação estranha." Ele apenas propôs a empreitada ao Galpão, que topou mesmo sem saber que peça encenaria.
E ambos convidaram Diaz, diretor da Cia. dos Atores, que só tinha 18 dias úteis para os ensaios de uma peça de três horas, quando o normal são meses.
Houve também conflitos internos, mas todos civilizados, explica. O clima tenso, no entanto, não respinga no filme, que é muito mais um registro poético de atores trabalhando.
"Queria evitar pra burro o [estilo de filme de] "making of".
Nossas conversas [com diretor e atores] eram um troço tão deliberado e tão frio, que não me interessaram. Você sentiu falta?", pergunta o diretor, emendando: "Já ouvi pessoas reclamando, "ah, tinha que ter mais o processo, mais o Kiki [Diaz]".
Bom, não tem. Foi uma decisão difícil, mas não me arrependo." É justamente do improviso que vem sua cena favorita, a mais longa do filme, com seis minutos. Após o fim de um ensaio, o elenco debanda, mas uma atriz começa a chorar ao se sentar numa mesa. Suas colegas se aproximam, uma dá um copo de água, diz uma frase do texto, como se mantivesse o ensaio, e, por fim, uma atriz entoa o hino de Divinópolis (MG).
"Daí você me pergunta, "o que tem a ver com Tchekhov?" Pouco importa. Tudo pode."
Cenas como essa, incluindo uma coreografia às escuras ao som de Roberto Carlos e isqueiros, dão uma plasticidade a "Moscou" nunca vista nos filmes de Coutinho, mais centrados na oralidade. Teria então o diretor se rendido à beleza, palavra que tanto evita? "Talvez", diz. "São coisas, que você chama de beleza, muito mais devidas ao trabalho dos próprios atores, que criaram as coreografias, e do Enrique e do Jack [Cheuiche, iluminador]."
A ligação com a classe teatral vem de bem antes de "Jogo de Cena". Coutinho conta que assistiu a peças por 30 anos, mas abandonou tudo no final dos anos 70. "Acho que por causa do cigarro e de outras neuroses", diz o fumante há 50 anos. Mês passado, o tabaco foi motivo de outro inferno na vida do diretor, que foi à retrospectiva de sua obra no Museu de Arte Moderna de Nova York.
Não havia hotel que o aceitasse. "Fiquei cinco dias fora da lei, fumando [num quarto de hotel]. Brincava que eu tinha pesadelos que, como no cinema americano, eles chegavam e diz


MOSCOU
Direção: Eduardo Coutinho
Produção: Brasil, 2009
Onde: circuito a definir, a partir de sexta-feira
Classificação: não informada
Leia mais sobre "Moscou" no blog Ilustrada no Cinema www.folha.com.br/ilustradanocinema




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