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Aos 20, funk brasileiro deixa o Rio e ganha o país
Disco "Funk Brasil" foi o 1º a colocar letras em português no gênero dos bailes
Aniversário do álbum coincide com o fim de restrições impostas ao baile e com lei que define o funk como movimento cultural
Bruno Veiga - 05.abr.86/Agência O Globo
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Baile funk no Clube Canto do Rio (RJ),
nos anos 80
BRUNA BITTENCOURT
DA REPORTAGEM LOCAL
O funk carioca parece finalmente ter chegado à sua maioridade. Nesta semana, o gênero
viu regovada a lei que instituiu
uma série de normas que vinham regulamentando seus
bailes em comunidades do Rio
de Janeiro. Ao mesmo passo,
foi aprovado um projeto de lei
que define o funk como movimento cultural.
Os ajustes jurídicos coincidem com o aniversário de 20
anos de "Funk Brasil", disco de
DJ Marlboro considerado marco zero do funk carioca.
Lançado em 3 de agosto de
1989, o álbum deu as primeiras
letras em português ao funk
que se escutava nos bailes do
Rio de Janeiro, quando a música era 100% estrangeira, oriunda de discos importados, principalmente de miami bass (leia
mais ao lado).
"O "Funk Brasil" foi um marco do gênero. É o disco que começou a mostrar como o som
gringo que tocava nos bailes
passou a ser substituído por
criações locais", diz Ronaldo
Lemos, colunista da Folha.
Para Silvio Essinger, autor de
"Batidão - Uma História do
Funk", a importância do disco
foi mostrar aos "moleques do
baile" que eles podiam deixar
de ser público para serem artistas. Elizete Ignácio, cordenadora de um estudo da Fundação Getúlio Vargas que analisou o funk carioca por sua perspectiva socioeconômica, acredita que a maior contribuição
do disco foi permitir que MCs
passassem a compor, e sobre
seu próprio cotidiano, liberando-os das versões e paródias de
músicas estrangeiras.
Um ano antes de "Funk Brasil", Marlboro lançou "Melô da
Mulher Feia", que faria parte
do disco. Considerado o primeiro sucesso do funk carioca,
a música é uma versão da americana "Do Wah Diddy" com letra em português. "Aportuguesar as músicas é uma coisa antiga, da origem dos bailes", afirma Marlboro, lembrando os
anos 70. "O público já vinha fazendo essas paródias", conta
Essinger.
Apesar de suas 250 mil cópias vendidas, segundo Marlboro, "Funk Brasil" sofreu certa rejeição. "O próprio movimento o boicotou. Havia todo
um comércio de música internacional que iria acabar", conta
o DJ sobre os discos estrangeiros tocados nos bailes. "Não foi
unânime. Para os DJs, funk era
americano, de Miami", diz o DJ
de funk carioca Sany Pitbull.
Mistura
A partir do disco, o funk carioca começou a se distanciar
de sua receita estrangeira.
"Se em "Funk Brasil" ainda temos uma influência grande das
músicas negras americanas que
dão origem ao gênero nos anos
70, depois vimos crescer no
funk a mistura com ritmos brasileiros", defende Lemos, citando fusões com o choro.
"Quando o funk foi expulso
do asfalto e empurrado para o
morro, ele encontrou uma cultura negra e nordestina muito
forte. O funk foi se transformando", afirma Pitbull, sobre
as restrições à realização de
bailes em clubes do Rio de Janeiro, depois de diversos episódios de violência levarem o ritmo às páginas policiais, no começo da década de 90.
Essinger destaca a criação do
"tamborzão" -a batida do tambor usada repetidamente como
base para as músicas-, como
uma das grandes mudanças do
gênero. "[O funk carioca] É outra música. É completamente
samba, herdeiro da música
afro-brasileira, dos terreiros,
mas feito de forma eletrônica."
Para Lemos, o funk deixou de
ser carioca há muito tempo:
"Hoje ele está presente no Brasil todo e é produzido tanto nas
periferias quanto fora delas",
diz, citando o Bonde do Rolê.
Para Elizete Ignácio, essa foi
a principal mudança do gênero
sob sua perspectiva sociológica:
"Se há 20 anos os funkeiros tinham menos possibilidades de
circular, hoje não há mais restrição. Essa mudança é o que
vem possibilitando a renovação
do gênero".
Para Marlboro, o número de
bailes hoje é menor. "Mas hoje
você ouve funk até em festa de
15 anos."
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