São Paulo, sexta, 4 de setembro de 1998

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"Cinderela Bahiana" é tão ruim que é ótimo

MARCELO RUBENS PAIVA
especial para a Folha

Carla Perez, a loira mais tchan do Brasil, estréia no cinema protagonizando "Cinderela Bahiana". Segundo os produtores, é uma "comédia musical infanto-juvenil".
Como diz o título, trata-se de uma versão "em baianês" da lenda da moça pobre que se dá bem graças aos mistérios da condição humana, ou milagre, gnomo, reza. Ou, no caso, graças a um baita de um orixá que providencia a transformação de Carlinha, menina miserável do sertão da Bahia, em Carla Perez, moça miseravelmente popular no coração dos brasileiros.
O se dar bem é conquistar fama,umas roupas chiques e um carrão importado. O príncipe encantado só entra no final. É o pagodeiro Alexandre Pires, namorado na vida real de Perez. "Cinderela", dirigido por Carlos Conrado Sanchez, é "Central do Brasil" contado por alguém nos bastidores do "Domingo Legal" de Gugu Liberato, esperando mergulhar na banheira.
É tão ruim que é ótimo, honesto e simples. É do bem. Quando é sério, é de rolar de rir. Quando faz piada, ri-se de vergonha. Tem tudo para encabeçar a lista dos que cultuam um bom "trash".
A Carlinha pequena vem com aquilo que artistas sempre falam em biografias: o dom (seja lá o que isso significa). Ela dança na estrada, enquanto outros meninos tapam buracos. Sua mãe morre do coração, e o pai, trabalhador, se manda com a filha pra Salvador.
Em um terço do filme, tem um grupo dançando nas ruas de Salvador, academias, no cais do porto, comendo acarajé. No outro terço, tem Carla Perez andando pelas ruas de Salvador e academias. No último terço, tem gente em Salvador comendo acarajé e, tchan, tchan, tchan, tchan... falando!
Sente-se falta do professor Pasquale intervindo na narrativa. "Essa dupla de malandros vão te pôr no mau caminho", diz um personagem. "Vão te pôr?!", entraria Pasquale, se eu fosse o roteirista.
Salvador é aquela coisa linda e muito bem aproveitada no filme. E dá-lhe a nova safra de música baiana, de Carlinhos Brown, É o Tchan,Asa de Águia a Netinho, filmados em Panavision e som estéreo.
Falas do filme parecem monólogos em frente a um espelho. "Essa gente é perigosa. Vão querer te usar enquanto você fizer sucesso", diz o pai para filha. "Temos que sugar essas mulheres enquanto fazem sucesso", diz o empresário inescrupuloso. É a metalinguagem que remete ao que os produtores estão fazendo com Carla, moça ingênua enfiada em canoa furada.
Detalhe: Perry Salles (o ex de Vera Fischer e galã de tantos filmes) é Pierre, o empresário inescrupuloso, poliglota, que descobre Carla e a suga até o bagaço. O veterano Salles parece que sabe que se meteu numa fria. A impressão que se tem é que resolveu soltar a franga e se divertir. É a melhor coisa do filme.
"Cinderela Bahiana" lembra outros musicais datados. Nos anos 70, "Doces Bárbaros" documentou uma turnê dos quatro ases da música baiana, Caetano, Gil, Gal e Bethânia. Era um filme de resistência, alternativo, hippie. Parte do filme reportava à prisão de Gil por porte de maconha.
Outro filme boi-bumbá pode simbolizar a "purpurínica" década de 80. "Bete Balanço", que tinha Cazuza e alguns mais da geração rock brasileiro. Era um filme cuja história não me lembro, como poucos se lembram de algo relevante dos anos 80. Será que "Cinderela Bahiana" fica para a história como o registro da música dos 90?
Sabe como termina o filme? Carla volta pra estrada, no seu carrão importado, solta passarinhos presos em gaiolas, chama as crianças que pedem esmolas e dança o tchan com elas. E o sol se põe no horizonte. Lindo, não?

Filme: Cinderela Bahiana
Produção:
Brasil, 1998
Direção: Carlos Conrado Sanchez
Com: Carla Perez, Perry Salles
Quando: estréia hoje nos cines Interlar Aricanduva, Interlagos, Marabá e circuito



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