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"Cinderela Bahiana" é tão ruim que é ótimo
MARCELO RUBENS PAIVA
especial para a Folha
Carla Perez, a loira mais tchan do
Brasil, estréia no cinema protagonizando "Cinderela Bahiana". Segundo os produtores, é uma "comédia musical infanto-juvenil".
Como diz o título, trata-se de
uma versão "em baianês" da lenda
da moça pobre que se dá bem graças aos mistérios da condição humana, ou milagre, gnomo, reza.
Ou, no caso, graças a um baita de
um orixá que providencia a transformação de Carlinha, menina miserável do sertão da Bahia, em Carla Perez, moça miseravelmente popular no coração dos brasileiros.
O se dar bem é conquistar fama,umas roupas chiques e um carrão importado. O príncipe encantado só entra no final. É o pagodeiro Alexandre Pires, namorado na
vida real de Perez. "Cinderela", dirigido por Carlos Conrado Sanchez, é "Central do Brasil" contado
por alguém nos bastidores do "Domingo Legal" de Gugu Liberato,
esperando mergulhar na banheira.
É tão ruim que é ótimo, honesto e
simples. É do bem. Quando é sério,
é de rolar de rir. Quando faz piada,
ri-se de vergonha. Tem tudo para
encabeçar a lista dos que cultuam
um bom "trash".
A Carlinha pequena vem com
aquilo que artistas sempre falam
em biografias: o dom (seja lá o que
isso significa). Ela dança na estrada, enquanto outros meninos tapam buracos. Sua mãe morre do
coração, e o pai, trabalhador, se
manda com a filha pra Salvador.
Em um terço do filme, tem um
grupo dançando nas ruas de Salvador, academias, no cais do porto,
comendo acarajé. No outro terço,
tem Carla Perez andando pelas
ruas de Salvador e academias. No
último terço, tem gente em Salvador comendo acarajé e, tchan,
tchan, tchan, tchan... falando!
Sente-se falta do professor Pasquale intervindo na narrativa. "Essa dupla de malandros vão te pôr
no mau caminho", diz um personagem. "Vão te pôr?!", entraria
Pasquale, se eu fosse o roteirista.
Salvador é aquela coisa linda e
muito bem aproveitada no filme. E
dá-lhe a nova safra de música baiana, de Carlinhos Brown, É o Tchan,Asa de Águia a Netinho, filmados em Panavision e som estéreo.
Falas do filme parecem monólogos em frente a um espelho. "Essa
gente é perigosa. Vão querer te
usar enquanto você fizer sucesso",
diz o pai para filha. "Temos que sugar essas mulheres enquanto fazem sucesso", diz o empresário
inescrupuloso. É a metalinguagem
que remete ao que os produtores
estão fazendo com Carla, moça ingênua enfiada em canoa furada.
Detalhe: Perry Salles (o ex de Vera Fischer e galã de tantos filmes) é
Pierre, o empresário inescrupuloso, poliglota, que descobre Carla e
a suga até o bagaço. O veterano Salles parece que sabe que se meteu
numa fria. A impressão que se tem
é que resolveu soltar a franga e se
divertir. É a melhor coisa do filme.
"Cinderela Bahiana" lembra outros musicais datados. Nos anos
70, "Doces Bárbaros" documentou
uma turnê dos quatro ases da música baiana, Caetano, Gil, Gal e Bethânia. Era um filme de resistência,
alternativo, hippie. Parte do filme
reportava à prisão de Gil por porte
de maconha.
Outro filme boi-bumbá pode
simbolizar a "purpurínica" década
de 80. "Bete Balanço", que tinha
Cazuza e alguns mais da geração
rock brasileiro. Era um filme cuja
história não me lembro, como
poucos se lembram de algo relevante dos anos 80. Será que "Cinderela Bahiana" fica para a história
como o registro da música dos 90?
Sabe como termina o filme? Carla volta pra estrada, no seu carrão
importado, solta passarinhos presos em gaiolas, chama as crianças
que pedem esmolas e dança o
tchan com elas. E o sol se põe no
horizonte. Lindo, não?
Filme: Cinderela Bahiana
Produção: Brasil, 1998
Direção: Carlos Conrado Sanchez
Com: Carla Perez, Perry Salles
Quando: estréia hoje nos cines Interlar
Aricanduva, Interlagos, Marabá e circuito
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