São Paulo, Sábado, 04 de Setembro de 1999
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CINEMA
"Topsy-Turvy", exibido anteontem no festival, traz os espetáculos musicais de Gilbert & Sullivan
Mike Leigh vira Veneza de ponta-cabeça

AMIR LABAKI

enviado especial a Veneza


Nada na filmografia despojada do britânico Mike Leigh ("Segredos e Mentiras") permitia prever o talento para a deliciosa, embora longa, extravagância de "Topsy-Turvy" (De Ponta-Cabeça), apresentado anteontem dentro da competição de Veneza-99. São duas horas e 40 minutos de imersão nos bastidores dos musicais da dupla Gilbert & Sullivan, na Londres do final do século 19.
William Schwenck Gilbert (1836-1911), dramaturgo, e Arthur Seymour Sullivan (1842-1900), compositor, foram o Andrew Lloyd Weber da Inglaterra vitoriana. Durante duas décadas (1870-80), serviram como reis da opereta, por eles recriada para o inglês. Seus espetáculos eram vistosos, desenvolvidos a partir de temas místicos e exóticos.
Gilbert era austero, bem casado e pé no chão. Sullivan, dionisíaco, mulherengo, cosmopolita e sonhador. Gilbert orgulhava-se de seus enredos populares. Sullivan desprezava suas composições para operetas como ganha-pão.
Mike Leigh, em sua mais suntuosa produção, revisita a dupla num possível ponto de ruptura, a partir do fracasso de "Princesa Ida", em 1884. Todos os esforços do empresário e produtor Richard d'Oyly Carte (1844-1901) pareciam então inúteis para manter a parceria. Gilbert cansara-se do desprezo do amigo; Sullivan celebrava a possibilidade de voltar à música "séria".
A visita a uma exposição de arte japonesa mudou o destino da dupla. Inspirado por ela, Gilbert escreveu um libreto com novo frescor, catalisando também o talento de Sullivan. O resultado é a divertidíssima "The Mikado" (1885).
"Topsy-Turvy", uma expressão aplicada ao teatro da época para classificar uma história fantástica com algum tipo de inversão no comportamento dos personagens, desenvolve-se entre a crise de "Ida" e o triunfo de "Mikado". A narrativa concentra-se no universo teatral, girando em torno de salas de ensaios, escritórios de produtores e casas de artistas. O teatro é o mundo e seu pulso é tomado pela coxia.
"Sempre fui fascinado pelo jeito pelo qual eles (Gilbert e Sullivan) e seus colaboradores lutaram para produzir obras tão harmoniosas, agradáveis e profundamente frívolas", escreve Leigh no catálogo do festival. Na contracorrente das cinebiografias de artistas, Leigh evita o culto à personalidade e distribui democraticamente os talentos e esforços na reconstituição dos ensaios da opereta.
Alguns dos números poderiam ficar de fora, e uma maior concisão aumentaria o impacto e por certo o público. "Topsy-Turvy", ainda assim, cativa ao celebrar a aurora da indústria do entretenimento. Não tem perfil de vencedor, mas é o primeiro acerto da competição deste ano.


O crítico Amir Labaki viajou a convite da organização do festival.


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