|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
CINEMA
"Topsy-Turvy", exibido anteontem no festival, traz os espetáculos musicais de Gilbert & Sullivan
Mike Leigh vira Veneza de ponta-cabeça
AMIR LABAKI
enviado especial a Veneza
Nada na filmografia despojada
do britânico Mike Leigh ("Segredos e Mentiras") permitia prever
o talento para a deliciosa, embora
longa, extravagância de "Topsy-Turvy" (De Ponta-Cabeça), apresentado anteontem dentro da
competição de Veneza-99. São
duas horas e 40 minutos de imersão nos bastidores dos musicais
da dupla Gilbert & Sullivan, na
Londres do final do século 19.
William Schwenck Gilbert
(1836-1911), dramaturgo, e Arthur
Seymour Sullivan (1842-1900),
compositor, foram o Andrew
Lloyd Weber da Inglaterra vitoriana. Durante duas décadas
(1870-80), serviram como reis da
opereta, por eles recriada para o
inglês. Seus espetáculos eram vistosos, desenvolvidos a partir de
temas místicos e exóticos.
Gilbert era austero, bem casado
e pé no chão. Sullivan, dionisíaco,
mulherengo, cosmopolita e sonhador. Gilbert orgulhava-se de
seus enredos populares. Sullivan
desprezava suas composições para operetas como ganha-pão.
Mike Leigh, em sua mais suntuosa produção, revisita a dupla
num possível ponto de ruptura, a
partir do fracasso de "Princesa
Ida", em 1884. Todos os esforços
do empresário e produtor Richard d'Oyly Carte (1844-1901)
pareciam então inúteis para manter a parceria. Gilbert cansara-se
do desprezo do amigo; Sullivan
celebrava a possibilidade de voltar à música "séria".
A visita a uma exposição de arte
japonesa mudou o destino da dupla. Inspirado por ela, Gilbert escreveu um libreto com novo frescor, catalisando também o talento
de Sullivan. O resultado é a divertidíssima "The Mikado" (1885).
"Topsy-Turvy", uma expressão
aplicada ao teatro da época para
classificar uma história fantástica
com algum tipo de inversão no
comportamento dos personagens, desenvolve-se entre a crise
de "Ida" e o triunfo de "Mikado".
A narrativa concentra-se no universo teatral, girando em torno de
salas de ensaios, escritórios de
produtores e casas de artistas. O
teatro é o mundo e seu pulso é tomado pela coxia.
"Sempre fui fascinado pelo jeito
pelo qual eles (Gilbert e Sullivan)
e seus colaboradores lutaram para produzir obras tão harmoniosas, agradáveis e profundamente
frívolas", escreve Leigh no catálogo do festival. Na contracorrente
das cinebiografias de artistas,
Leigh evita o culto à personalidade e distribui democraticamente
os talentos e esforços na reconstituição dos ensaios da opereta.
Alguns dos números poderiam
ficar de fora, e uma maior concisão aumentaria o impacto e por
certo o público. "Topsy-Turvy",
ainda assim, cativa ao celebrar a
aurora da indústria do entretenimento. Não tem perfil de vencedor, mas é o primeiro acerto da
competição deste ano.
O crítico Amir Labaki viajou a convite da organização do festival.
Texto Anterior: A resenha da semana - Bernardo Carvalho: O nome do inominável Próximo Texto: Música Erudita: Osesp negocia contrato inédito com BMG Índice
|