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MARCELO COELHO
A Olimpíada, o Brasil e a fracassomania
Fala-se bastante do fracasso
do Brasil na Olimpíada. Fracasso? Será? Claro que houve derrotas e decepções no futebol, no
vôlei, até no hipismo. O hipismo!
Última esperança dos últimos patriotas, também essa modalidade
nos frustrou; se é que é frustração
perder o que, dias antes, ninguém
sabia possuir.
Em todo caso, não sei se o fracasso foi tão grande assim. Na
classificação geral dos Jogos, publicada na segunda-feira, o Brasil
não passa uma vergonha completa. Vejamos.
Na soma de medalhas, ficamos
em 21º lugar; fora Cuba e Coréia
do Sul, só há países desenvolvidos
à nossa frente. O Canadá teve 14
medalhas, nós, 12.
Na classificação ponderada (o
ouro vale 4 pontos, a prata, 2 pontos, o bronze, 1), estamos em 26º
lugar, com 18 pontos. O México
teve 11, a Áustria, 10. Verdade que
ficamos atrás de Etiópia e Cazaquistão, mas foi por pouco.
Na relação entre número de
atletas e número de medalhas, estamos bem pior; mas aqui os primeiros lugares são Costa Rica e
Etiópia, de novo; nessa forma de
classificação, Moçambique ficou
em quinto lugar, à frente dos Estados Unidos.
Por último, na relação entre
medalhas e habitantes, o Brasil fica bem longe (66º lugar), mas
também deve ser dito que os EUA
ficaram só em 46º.
Sem dúvida, não é fundamental
que o Brasil seja uma potência
nas Olimpíadas, e há uma grande
diferença entre investir no esporte
como forma de lazer, saúde, bem-estar da população e aplicar recursos na criação de estufas especializadas em ganhadores de medalhas. Mas não quero entrar
nessa discussão.
O que me parece curioso -e
talvez seja só impressão minha-
é que houve certa volúpia da opinião pública em assinalar o malogro do país em Sydney.
Estaremos diante da atitude de
"fracassomania" que Fernando
Henrique tanto gosta de apontar
nos que criticam seu governo? Pode ser que, pelo menos com respeito à Olimpíada, o termo esteja
correto.
No futebol masculino não há
dúvida de que nosso fracasso foi
real, não foi resultado de nenhuma má vontade da imprensa.
Mesmo assim, desconfio que a
derrota brasileira diante de Camarões teve um efeito catártico;
foi uma espécie de alívio -aquele tipo de alívio que encontramos
ao ver confirmada uma convicção pessoal e pessimista. Torceu-se pelo Brasil, mas o tempo todo
com sincera raiva de Wanderley
Luxemburgo.
Chego a pensar que, se tivéssemos ganho todas as medalhas de
ouro que perdemos, um certo vazio ideológico haveria de se produzir. A comemoração seria certa, mas não teríamos do que reclamar.
Não há coisa mais arraigada
nos brasileiros do que o hábito de
reclamar do Brasil. Desde a escola
primária se ouve que este país está vocacionado para ser uma
grande potência; qualquer coisa
menos que isso é insatisfatória; e,
ao mesmo tempo, qualquer coisa
que aponte para isso tem algo de
ridículo, devendo imediatamente
ser combatido por nós mesmos.
Um exemplo: as pretensões do
Brasil e do governo FHC no sentido de sermos os líderes da América do Sul. O Brasil é o país mais
populoso e mais rico do subcontinente, é verdade. Nada mais ridículo, entretanto, do que o aval
brasileiro à reeleição de Fujimori.
Um papelão internacional.
Fica-se com um sentimento ambíguo. A pretensão de um Brasil-potência é ao mesmo tempo natural e inaceitável para nós. Funciona no plano da imaginação, mas
não corresponde à nossa vontade.
O sucesso inatingível é sempre
usado como antídoto frente à possibilidade de um fracasso real.
Imagine-se um Dom Quixote
com senso de ridículo, ou um Sancho Pança que, enlouquecido ele
próprio, julgasse ser o verdadeiro
e injustiçado cavaleiro da Mancha. Quanta raiva de si mesmo, e
quanta autocomiseração também, consumiriam esse personagem!
Falo por mim mesmo, é claro. E
dou um outro exemplo do que me
acontece nesses dias com relação
à campanha pela Prefeitura de
São Paulo.
Depois de todo o escândalo em
torno da máfia dos vereadores,
depois de toda a impopularidade
da gestão de Celso Pitta, era de esperar que seus defensores na Câmara, como Miguel Colasuonno e
Brasil Vita, não fossem reeleitos.
Pois bem, de fato não foram reeleitos. Não é que me senti frustrado com isso? Do mesmo modo que
fiquei contente por Maluf ter passado ao segundo turno. Queria
que se confirmasse a minha opinião de que o eleitorado paulistano não aprende nunca; eu queria
ficar com raiva; eu queria o pior,
queria saborear minha amargura
e meu pessimismo.
Será só minha essa atitude? Ou
não será comum a muita gente o
prazer de, numa derrota, dizer
entre dentes: "olha aí, não tem
jeito mesmo, é o que eu sempre
disse, isso aqui é uma porcaria"?
Seria uma espécie de vandalismo das próprias esperanças, não
sei. Talvez signifique apenas uma
atitude defensiva natural, a proteger-nos de grandes tropeços,
mas é também um peso psicológico, a impedir-nos de sair do lugar.
A ambiguidade se auto-alimenta.
Se isso estiver correto, Luxemburgo e outros "inimigos públicos"
vão continuar tendo o seu papel a
cumprir em nossa economia
mental.
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