São Paulo, quarta-feira, 04 de outubro de 2000

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MARCELO COELHO

A Olimpíada, o Brasil e a fracassomania

Fala-se bastante do fracasso do Brasil na Olimpíada. Fracasso? Será? Claro que houve derrotas e decepções no futebol, no vôlei, até no hipismo. O hipismo! Última esperança dos últimos patriotas, também essa modalidade nos frustrou; se é que é frustração perder o que, dias antes, ninguém sabia possuir.
Em todo caso, não sei se o fracasso foi tão grande assim. Na classificação geral dos Jogos, publicada na segunda-feira, o Brasil não passa uma vergonha completa. Vejamos.
Na soma de medalhas, ficamos em 21º lugar; fora Cuba e Coréia do Sul, só há países desenvolvidos à nossa frente. O Canadá teve 14 medalhas, nós, 12.
Na classificação ponderada (o ouro vale 4 pontos, a prata, 2 pontos, o bronze, 1), estamos em 26º lugar, com 18 pontos. O México teve 11, a Áustria, 10. Verdade que ficamos atrás de Etiópia e Cazaquistão, mas foi por pouco.
Na relação entre número de atletas e número de medalhas, estamos bem pior; mas aqui os primeiros lugares são Costa Rica e Etiópia, de novo; nessa forma de classificação, Moçambique ficou em quinto lugar, à frente dos Estados Unidos.
Por último, na relação entre medalhas e habitantes, o Brasil fica bem longe (66º lugar), mas também deve ser dito que os EUA ficaram só em 46º.
Sem dúvida, não é fundamental que o Brasil seja uma potência nas Olimpíadas, e há uma grande diferença entre investir no esporte como forma de lazer, saúde, bem-estar da população e aplicar recursos na criação de estufas especializadas em ganhadores de medalhas. Mas não quero entrar nessa discussão.
O que me parece curioso -e talvez seja só impressão minha- é que houve certa volúpia da opinião pública em assinalar o malogro do país em Sydney.
Estaremos diante da atitude de "fracassomania" que Fernando Henrique tanto gosta de apontar nos que criticam seu governo? Pode ser que, pelo menos com respeito à Olimpíada, o termo esteja correto.
No futebol masculino não há dúvida de que nosso fracasso foi real, não foi resultado de nenhuma má vontade da imprensa. Mesmo assim, desconfio que a derrota brasileira diante de Camarões teve um efeito catártico; foi uma espécie de alívio -aquele tipo de alívio que encontramos ao ver confirmada uma convicção pessoal e pessimista. Torceu-se pelo Brasil, mas o tempo todo com sincera raiva de Wanderley Luxemburgo.
Chego a pensar que, se tivéssemos ganho todas as medalhas de ouro que perdemos, um certo vazio ideológico haveria de se produzir. A comemoração seria certa, mas não teríamos do que reclamar.
Não há coisa mais arraigada nos brasileiros do que o hábito de reclamar do Brasil. Desde a escola primária se ouve que este país está vocacionado para ser uma grande potência; qualquer coisa menos que isso é insatisfatória; e, ao mesmo tempo, qualquer coisa que aponte para isso tem algo de ridículo, devendo imediatamente ser combatido por nós mesmos.
Um exemplo: as pretensões do Brasil e do governo FHC no sentido de sermos os líderes da América do Sul. O Brasil é o país mais populoso e mais rico do subcontinente, é verdade. Nada mais ridículo, entretanto, do que o aval brasileiro à reeleição de Fujimori. Um papelão internacional.
Fica-se com um sentimento ambíguo. A pretensão de um Brasil-potência é ao mesmo tempo natural e inaceitável para nós. Funciona no plano da imaginação, mas não corresponde à nossa vontade. O sucesso inatingível é sempre usado como antídoto frente à possibilidade de um fracasso real.
Imagine-se um Dom Quixote com senso de ridículo, ou um Sancho Pança que, enlouquecido ele próprio, julgasse ser o verdadeiro e injustiçado cavaleiro da Mancha. Quanta raiva de si mesmo, e quanta autocomiseração também, consumiriam esse personagem!
Falo por mim mesmo, é claro. E dou um outro exemplo do que me acontece nesses dias com relação à campanha pela Prefeitura de São Paulo.
Depois de todo o escândalo em torno da máfia dos vereadores, depois de toda a impopularidade da gestão de Celso Pitta, era de esperar que seus defensores na Câmara, como Miguel Colasuonno e Brasil Vita, não fossem reeleitos.
Pois bem, de fato não foram reeleitos. Não é que me senti frustrado com isso? Do mesmo modo que fiquei contente por Maluf ter passado ao segundo turno. Queria que se confirmasse a minha opinião de que o eleitorado paulistano não aprende nunca; eu queria ficar com raiva; eu queria o pior, queria saborear minha amargura e meu pessimismo.
Será só minha essa atitude? Ou não será comum a muita gente o prazer de, numa derrota, dizer entre dentes: "olha aí, não tem jeito mesmo, é o que eu sempre disse, isso aqui é uma porcaria"?
Seria uma espécie de vandalismo das próprias esperanças, não sei. Talvez signifique apenas uma atitude defensiva natural, a proteger-nos de grandes tropeços, mas é também um peso psicológico, a impedir-nos de sair do lugar. A ambiguidade se auto-alimenta. Se isso estiver correto, Luxemburgo e outros "inimigos públicos" vão continuar tendo o seu papel a cumprir em nossa economia mental.


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