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São Paulo, sábado, 04 de outubro de 2003

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Em "Não", Augusto de Campos reúne criações fiéis aos princípios concretistas

CREDO CONCRETO

Luiz Carlos Murauskas/Folha Imagem
O poeta Augusto de Campos, que publica primeiro livro de poemas próprios depois de nove anos


ROGÉRIO EDUARDO ALVES
DA REPORTAGEM LOCAL

Se as inovações promovidas pelos poetas concretos vistas hoje podem ser acusadas de não possuírem mais a força renovadora que representaram quando foram teorizadas na década de 50, rotinizadas que estão nas imagens cotidianas, pelo menos um de seus criadores ainda mantém-se fiel a seus princípios iniciais.
Essa a sensação que se tem ao ler "Não", o novo livro do poeta Augusto de Campos, 72, que não lançava um volume com criações próprias desde 1994, quando foi publicado "Despoesia".
O que não quer dizer que ele retome a ortodoxia programática dos primeiros anos, quando o movimento concreto, encabeçado por ele e seu irmão Haroldo de Campos (1929-2003) e Décio Pignatari, pregou a abolição do verso como suporte poético e a concepção do texto como objeto inserido no espaço e composto por palavras responsáveis pela parte sonora e visual do conjunto, a chamada "verbivocovisualidade", mais que pelas idéias articuladas.
As construções deste "Não" retomam e incrementam os textos anteriores ao chamado "plano piloto" do concretismo, lançado em 1956, ao aproximarem-se do livro "Poetamenos", de 1953.
Muito das novas criações consegue realizar artifícios apenas sugeridos há 50 anos. Um exemplo é o movimento das palavras, indicado pelas cores em "Poetamenos", agora efetivamente concretizado com a utilização do computador. Por isso, "Não" vem acompanhado de um CD-ROM com algumas criações novas e releituras do poeta.
Lançado pouco antes deste "Não", que deve chegar às livrarias nas próximas semanas, o volume "Invenção" corrobora essa fixação de Campos ao credo concretista original ao reunir algumas de suas "traduções-arte" inéditas às já publicadas em "Mais Provençais", há tempos esgotado.
Publicado em 1987, "Mais Provençais" apresentava traduções de textos dos trovadores Arnaut Daniel e Raimbaut d'Aurenga. Trazidos à literatura moderna pelo poeta americano Ezra Pound (1885-1972), a recuperação desses "exemplos da arte provençal" fazem parte do princípio concretista de construção de uma nova tradição literária. Em "Invenção", o engenho desses trovadores conjuga-se ao de Dante Alighieri (1265-1321) e seu contemporâneo Guido Cavalcanti (ca. 1250-1300).
Pensado como um ciclo, o livro traz os versos da "Divina Comédia" nos quais Arnaut Daniel participa como personagem. Aliás, foi Dante quem concedeu a Daniel o título de "il miglior fabbro del parlar materno" (o maior artífice da língua materna).
 

Folha - Por que esses nove anos sem publicar poemas próprios?
Augusto de Campos -
Divido a minha produção poética autônoma com as traduções que ocupam mais ou menos 2/3 do meu trabalho. Minha autocrítica é severa. Demorei 15 anos para publicar meu segundo conjunto de poemas ("Despoesia", 1994) depois de "Viva Vaia" (1979). E as novas tecnologias me empurraram para fora do livro.

Folha - O sr. acredita que seja desejável uma atividade vanguardista hoje? A vanguarda não perdeu o seu poder e mercantilizou-se?
Campos -
Independentemente de grupos e movimentos, sempre haverá lugar para poetas menos conformistas, interessados, como diria John Cage [1908-92], não apenas em "expressar-se" mas em "mudar a si mesmos" e questionar os padrões convencionais, ainda que ao preço do confronto. Estes constituem para mim o que entendo por "vanguarda". Estes não se vendem.


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