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São Paulo, sábado, 04 de outubro de 2003

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CREDO CONCRETO

Escritor Augusto de Campos faz balanço da atualidade da produção concretista para a nova poesia

"Não" rearruma minha casa literária"

DA REPORTAGEM LOCAL

Leia a seguir a continuação da entrevista com o poeta Augusto de Campos, que fala, entre outras coisas, da atualidade do concretismo. (ROGÉRIO EDUARDO ALVES)
 

Folha - Haroldo de Campos assinalou que, enquanto o sr. manteve-se concretista, ele deixava os rigores concretos. Por que o sr. seguiu nesse caminho?
Augusto de Campos -
Haroldo deixou de fazer poesia estritamente concreta, para seguir uma linha de construção neobarroca, de acordo com a sua sensibilidade, embora com sólidos fundamentos na experiência dos anos 50. O caminho que sigo, ditado pelo meu temperamento, mais afeito à fanopéia e à melopéia que à logopéia, tem liames mais acentuados com a poesia concreta, embora o que faço, hoje, não caiba, a rigor, dentro da ortodoxia concretista dos primeiros anos.

Folha - O sr. poderia identificar quais as principais mudanças neste "Não" comparando-o com "Poetamenos", de 1953?
Campos -
Na fase que chamamos de "ortodoxa" e que vai mais ou menos de 1956 a inícios de 60, a poesia concreta tendia a composições de extrema concisão vocabular, com fixação num padrão tipográfico bauhausiano. No início dos anos 60, a partir de poemas aleatórios, grafias diversificadas e imagens foram sendo incorporadas em meus textos em busca de maior iconização e interação da linguagem poética. O minimalismo se atenuou com a readmissão de frases e montagens mais complexas. Isso tudo, além da influência do trabalho com novos suportes e novas tecnologias, alterou a estruturação dos poemas atuais, inclusive as animações digitais, que se aproximam mais das propostas pré-ortodoxas do "Poetamenos", com seu multicolorismo e mobilidade virtual.

Folha - No prefácio a "Não", o sr. diz que os "computadores desarrumaram" seus livros. O lançamento do CD-ROM é uma arrumação?
Campos -
Com essa "desarrumação" eu quis significar que parte da minha poesia já não cabia nos livros, porque migrara para a edição digital. Ao conceber esse volume (talvez o meu último, de poemas próprios, dada a minha idade avançada), eu pretendia acrescentar em disquete apenas uma animação da qual eu fiz imprimir a imagem final na quarta capa, como a indicar que o poema está fora do livro. Depois resolvi publicar as principais animações que fiz. Assim, esse CD-ROM "rearruma" a minha casa literária.

Folha - Pode-se entender o caminho do concretismo como uma vanguarda que surge antecipando as inovações tecnológicas prometidas pelos anos 50. Depois, com o regime militar, o rigorismo utilitário transformou-se para comportar a crítica urgente. Como o sr. entende que o concretismo pode influenciar os novos autores de hoje?
Campos -
Sem me pretender um poeta do tipo "engajado", não posso deixar de constatar que vários dos meus poemas, especialmente na fase dos anos 60 e 70, são nitidamente participantes. Quando olho retrospectivamente para o que fizemos nos anos 50, gosto de pensar que a nossa atividade poética foi premonitória em relação às novas tecnologias. Hoje, a linguagem digital põe em evidência a congenialidade da poesia concreta em relação às novas mídias eletrônicas. A poesia cibernética tem elos profundos com as especulações da poesia concreta.

Folha - O sr. ainda sente a necessidade de traduzir para construir uma nova tradição naquela mesma concepção inicial do concretismo?
Augusto de Campos -
O objetivo último das "traduções-arte", como eu costumo chamá-las, ou das "transcriações", como Haroldo de Campos preferia denominá-las, não é o proselitismo em favor da poesia concreta. Mas, de fato, essa antitradição tradutória nasceu com a poesia concreta e com a ênfase que ela pôs na invenção literária. O que nos propusemos foi, por um lado, colocar a tradução poética em pé de igualdade com a própria criação. Por outro lado, queríamos privilegiar autores considerados "difíceis", impossíveis de traduzir, trazendo para o convívio da nossa língua especialmente os que Ezra Pound chamou de "inventores", voltados à criação de novas linguagens.

Folha - A opção pelo relançamento de "Mais Provençais" apresenta um ciclo. Como o sr. o pensou?
Campos -
Foi Dante quem primeiro valorizou criticamente os trovadores provençais. Há portanto um vínculo profundo entre as duas poéticas. Tradutor tanto dos provençais como de Dante (e Guido Cavalcanti), ocorreu-me juntar num único volume as recriações dos trovadores Raimbaut d'Aurenga e Arnaut Daniel e as dos italianos, por eles influenciados. Procurei criar, assim, um diálogo vivo entre as duas tradições. E que é um diálogo de traduções com Haroldo, transcriador de Dante e Cavalcanti.

Folha - Salta à vista em "Invenção" uma preocupação em estabelecer uma relação entre música e texto poético...
Campos -
Embora tivessem ficado mais conhecidos pelos aspectos plásticos e visuais dos seus textos, os poetas concretos desde o início postularam uma poesia "verbivocovisual", abrangendo, portanto, os valores sonoros e musicais do poema. A poesia tem muito a ver com a música. Os trovadores provençais, nos quais a musicalidade se evidencia, nos ajudam a compreendê-lo.

Folha - Os trabalhos (eventualmente) deixados por Haroldo de Campos serão retomados pelo sr.? Campos - Haroldo deixou muita coisa inédita. É ainda muito cedo para fazer um levantamento completo dos seus trabalhos. Mas certamente desejo colaborar com os familiares na organização e na divulgação de sua obra.


NÃO. De: Augusto de Campos. Editora: Perspectiva. Quanto: R$ 50 (124 págs.).

INVENÇÃO. De: Augusto de Campos. Editora: Arx. Quanto: R$ 35 (278 págs.).



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