|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
CREDO CONCRETO
Escritor Augusto de Campos faz balanço da atualidade da produção concretista para a nova poesia
"Não" rearruma minha casa literária"
DA REPORTAGEM LOCAL
Leia a seguir a continuação da
entrevista com o poeta Augusto
de Campos, que fala, entre outras
coisas, da atualidade do concretismo.
(ROGÉRIO EDUARDO ALVES)
Folha - Haroldo de Campos assinalou que, enquanto o sr. manteve-se concretista, ele deixava os rigores concretos. Por que o sr. seguiu nesse caminho?
Augusto de Campos - Haroldo
deixou de fazer poesia estritamente concreta, para seguir uma
linha de construção neobarroca,
de acordo com a sua sensibilidade, embora com sólidos fundamentos na experiência dos anos
50. O caminho que sigo, ditado
pelo meu temperamento, mais
afeito à fanopéia e à melopéia que
à logopéia, tem liames mais acentuados com a poesia concreta,
embora o que faço, hoje, não caiba, a rigor, dentro da ortodoxia
concretista dos primeiros anos.
Folha - O sr. poderia identificar
quais as principais mudanças neste
"Não" comparando-o com "Poetamenos", de 1953?
Campos - Na fase que chamamos
de "ortodoxa" e que vai mais ou
menos de 1956 a inícios de 60, a
poesia concreta tendia a composições de extrema concisão vocabular, com fixação num padrão tipográfico bauhausiano. No início
dos anos 60, a partir de poemas
aleatórios, grafias diversificadas e
imagens foram sendo incorporadas em meus textos em busca de
maior iconização e interação da
linguagem poética. O minimalismo se atenuou com a readmissão
de frases e montagens mais complexas. Isso tudo, além da influência do trabalho com novos suportes e novas tecnologias, alterou a
estruturação dos poemas atuais,
inclusive as animações digitais,
que se aproximam mais das propostas pré-ortodoxas do "Poetamenos", com seu multicolorismo
e mobilidade virtual.
Folha - No prefácio a "Não", o sr.
diz que os "computadores desarrumaram" seus livros. O lançamento
do CD-ROM é uma arrumação?
Campos - Com essa "desarrumação" eu quis significar que parte
da minha poesia já não cabia nos
livros, porque migrara para a edição digital. Ao conceber esse volume (talvez o meu último, de
poemas próprios, dada a minha
idade avançada), eu pretendia
acrescentar em disquete apenas
uma animação da qual eu fiz imprimir a imagem final na quarta
capa, como a indicar que o poema
está fora do livro. Depois resolvi
publicar as principais animações
que fiz. Assim, esse CD-ROM
"rearruma" a minha casa literária.
Folha - Pode-se entender o caminho do concretismo como uma vanguarda que surge antecipando as
inovações tecnológicas prometidas pelos anos 50. Depois, com o
regime militar, o rigorismo utilitário transformou-se para comportar
a crítica urgente. Como o sr. entende que o concretismo pode influenciar os novos autores de hoje?
Campos - Sem me pretender um
poeta do tipo "engajado", não
posso deixar de constatar que vários dos meus poemas, especialmente na fase dos anos 60 e 70,
são nitidamente participantes.
Quando olho retrospectivamente
para o que fizemos nos anos 50,
gosto de pensar que a nossa atividade poética foi premonitória em
relação às novas tecnologias. Hoje, a linguagem digital põe em evidência a congenialidade da poesia
concreta em relação às novas mídias eletrônicas. A poesia cibernética tem elos profundos com as especulações da poesia concreta.
Folha - O sr. ainda sente a necessidade de traduzir para construir
uma nova tradição naquela mesma
concepção inicial do concretismo?
Augusto de Campos - O objetivo
último das "traduções-arte", como eu costumo chamá-las, ou das
"transcriações", como Haroldo
de Campos preferia denominá-las, não é o proselitismo em favor
da poesia concreta. Mas, de fato,
essa antitradição tradutória nasceu com a poesia concreta e com a
ênfase que ela pôs na invenção literária. O que nos propusemos
foi, por um lado, colocar a tradução poética em pé de igualdade
com a própria criação. Por outro
lado, queríamos privilegiar autores considerados "difíceis", impossíveis de traduzir, trazendo
para o convívio da nossa língua
especialmente os que Ezra Pound
chamou de "inventores", voltados à criação de novas linguagens.
Folha - A opção pelo relançamento de "Mais Provençais" apresenta
um ciclo. Como o sr. o pensou?
Campos - Foi Dante quem primeiro valorizou criticamente os
trovadores provençais. Há portanto um vínculo profundo entre
as duas poéticas. Tradutor tanto
dos provençais como de Dante (e
Guido Cavalcanti), ocorreu-me
juntar num único volume as recriações dos trovadores Raimbaut d'Aurenga e Arnaut Daniel e
as dos italianos, por eles influenciados. Procurei criar, assim, um
diálogo vivo entre as duas tradições. E que é um diálogo de traduções com Haroldo, transcriador
de Dante e Cavalcanti.
Folha - Salta à vista em "Invenção" uma preocupação em estabelecer uma relação entre música e
texto poético...
Campos - Embora tivessem ficado mais conhecidos pelos aspectos plásticos e visuais dos seus textos, os poetas concretos desde o
início postularam uma poesia
"verbivocovisual", abrangendo,
portanto, os valores sonoros e
musicais do poema. A poesia tem
muito a ver com a música. Os trovadores provençais, nos quais a
musicalidade se evidencia, nos
ajudam a compreendê-lo.
Folha - Os trabalhos (eventualmente) deixados por Haroldo de
Campos serão retomados pelo sr.?
Campos - Haroldo deixou muita
coisa inédita. É ainda muito cedo
para fazer um levantamento completo dos seus trabalhos. Mas certamente desejo colaborar com os
familiares na organização e na divulgação de sua obra.
NÃO. De: Augusto de Campos. Editora:
Perspectiva. Quanto: R$ 50 (124 págs.).
INVENÇÃO. De: Augusto de Campos.
Editora: Arx. Quanto: R$ 35 (278 págs.).
Texto Anterior: Frases Próximo Texto: Frase Índice
|