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CRÍTICA
Personagem busca belo perene no amor e na arte em romance que teve Proust como fã
MARCELO PEN
CRÍTICO DA FOLHA
O fã historicamente mais notório de "A Bem-Amada" é
Marcel Proust (1871-1922). Ele fez
menção ao romance do escritor
inglês Thomas Hardy (1840-1928)
em "A Prisioneira" e ainda o elogiou em duas cartas.
Após concluir a leitura do livro,
disse numa delas: "Acabo de ler
uma coisa muito bonita que, infelizmente, se parece um pouco
(mas mil vezes melhor) com as
coisas que faço".
Há cenas no romance de Hardy
que lembram Proust, como as das
recepções em casa de damas da
aristocracia londrina -onde temos vislumbres de decadência,
superficialidade e polidez artificial-, ou o momento em que
uma velha senhora confessa que
parte de sua juventude fora conservada por meio de "artifícios
embelezadores".
Mas o ponto de vista de Hardy,
além de ser (ao menos nas primeiras das cenas aludidas) mais
engraçado e satírico do que o de
Proust, também representa o
olhar do forasteiro. Tanto o escritor quanto o protagonista de seu
livro, Jocelyn Pierston, são oriundos do litoral sudoeste da Mancha. São jecas em meio à nobreza
supostamente cosmopolita.
Pierston é um escultor originário de uma minúscula vila da antiga região romana de Wessex. O
lugarejo rochoso, onde existem
"apenas meia dúzia de sobrenomes", situa-se numa península
que sobrevive, principalmente,
do extrativismo mineral. O pai de
Pierston, por exemplo, sustentou
a família com uma pedreira.
Embora a matéria do romance
não seja, portanto, exatamente
proustiana, podemos dizer que o
elemento que sustenta a narrativa, e que está por trás da grande
discussão deflagrada por ela, é caro ao escritor francês: o tempo. "A
Bem-Amada" acompanha a trajetória do escultor, por meio de três
recortes temporais: aos 20, aos 40
e aos 60 anos.
Em cada um desses momentos,
vemos o artista buscar o amor, ou
antes, a bem-amada, no corpo de
diferentes mulheres. Como ele explica, a bem-amada é um ideal
que pode "encarnar" numa mulher e também abandoná-la, ocupando em seguida o corpo de outra. Numa ironia do destino, o escultor vai sucessivamente perseguindo esse ideal, sem nunca conseguir obtê-lo, em três gerações
de uma família de sua vila natal.
Avice Caro, 20 anos depois a filha dela e, decorridos mais 20
anos, a neta, são as bem-amadas
de Pierston. A coincidência do
nome das três, além de sua semelhança física, sugere um sentido
de permanência dentro da impermanência da vida. O ideal do
amor almejado por ele assemelha-se ao ideal de beleza que
Pierston procura atingir com sua
arte: suas esculturas, moldadas
com a pedra perene de Wessex,
desafiam a passagem do tempo.
Em dois fragmentos curtos, são
feitas alusões à "pintura popular"
da época. No segundo desses trechos, ficamos sabendo que o pintor amigo de Pierston, Alfred Somers, fica rico aderindo à nova
moda da pintura de paisagem,
com a qual os milionários americanos e ingleses "decoram suas
casas". A alusão indireta remete
às telas impressionistas inspiradas em William Turner.
O conservadorismo artístico de
Pierston faz par com sua predileção por temas clássicos e bíblicos,
compartilhada pelo narrador. O
próprio Somers associa Pierston
aos escultores gregos Praxíteles e
Lisipo. A escolha da antiga locação romana (Wessex) para designar a região natal do escultor reforça a relação clássica.
Para Pierston, a arte é eterna,
constante, acima das modas estéticas e alheia ao esfacelamento
temporal. O embate entre a permanência da arte e a impermanência do humano, que anima
também "O Retrato de Dorian
Gray", de Oscar Wilde, é visto, em
"A Bem-Amada", com tintas
igualmente negras. No final, o escultor percebe a falácia que o fazia
buscar um ideal artístico e amoroso fadado ao fracasso.
A epígrafe inicial, de Shelley, dá
a dica: "Forma única de muitos
nomes..." ("One shape of many
names..."), diz o poeta. O verso
aludiria à forma perfeita da musa,
que o artista anseia alcançar, na
vida e na arte. Em sua procura pelo belo, que nunca envelhece, ele
se mantém anacronicamente jovem, como insinuam as partições
do romance ("Um jovem de 20
anos", "Um jovem de 40 anos" e
"Um jovem de 60 anos"), até que
o peso dos anos e as desilusões o
obriguem a encarar a própria
mortalidade.
Mas a frase de Shelley, como
lembram em nota os tradutores,
foi extraída do canto primeiro do
poema "The Revolt of Islam".
Alude ao espírito do mal, que durante a história encarna em diferentes tiranos. A arte, bem como a
paixão que a inspira, cedo ou tarde constrange o artista a um cruel
ajuste de contas.
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