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Documentário volta sem cortes impostos à versão de 78
DA REPORTAGEM LOCAL
Para reeditar o filme "Doces
Bárbaros", o diretor Jom Tob
Azulay empreendeu não só a restauração digital da trilha sonora,
como a recuperação de cenas que
foram cortadas pela censura militar na versão original.
Na cópia liberada em setembro
de 1977 pela Divisão de Censura
de Diversões Públicas, subordinada à Polícia Federal e ao Ministério da Justiça chefiado por Armando Falcão, mantinham-se as
aparições de delegados e promotores, e mesmo grande parte do
julgamento de Gilberto Gil.
Cortaram-se detalhes -aqueles em que o artista exprimia sentimentos positivos, relacionados
ou não à maconha. Foi vetado,
por exemplo, trecho da leitura pelo juiz das declarações do "acusado", quando esse afirmava que
"gostava de maconha e que seu
uso não lhe fazia mal e nem o levava a fazer o mal" e que "o uso da
maconha o auxiliava sensivelmente na introspecção mística".
Em contrapartida, sobreviveu a
interpretação dos homens da lei
sobre suas palavras, que "podem
ter a mesma ressonância rítmica e
poética de "Refazenda", do "abacateiro", mas não encontram ressonância na ciência e na experiência
humana".
É evidente o sorriso sarcástico
que brota do rosto do artista, a
partir da menção ao "abacateiro"
de sua canção "Refazenda" (75).
O semblante se fecha diante da
afirmação de que um "ídolo inconteste da juventude não pode
fazer co-apologia da droga".
Outras cenas que haviam sido
cortadas são de entrevista concedida por Gil, com Chiquinho Azevedo, na clínica psiquiátrica: "A
gente não tem medo da verdade, a
gente não tem vergonha de nada".
Segundo Azulay, não se pensava
na censura na hora de criar. "Deixávamos para pensar na hora de
enfrentá-la em Brasília, se não,
não saíamos de casa. Só fui me
preocupar quando fiz uma sessão
em Los Angeles e a [cantora] Flora Purim disse: "Você fez um filme
político, vai ter problemas quando voltar ao Brasil"."
Dito e feito. O filme teve que
perder aquelas cenas para ser liberado para maiores de 14 anos e
receber o carimbo "boa qualidade
- livre para exportação". Quando
estreou, em meados de 78, teve
acolhida positiva, mas não foi tido
como político -Caetano já cantava "Odara", Gil entrava na fase
de "quanto mais purpurina melhor" ("Realce"); mergulhavam
em teores crescentes de ambigüidade, poucos levavam fé no dom
politizado dos baianos.
Mas o mundo continuava dando voltas. Uma das canções dos
Doces Bárbaros, exposta em
show, em disco duplo (lançado
ainda em 76 pela Philips, hoje
Universal) e em filme, era "O Seu
Amor", composta por Gilberto
Gil. "O seu amor/ ame-o e deixe-o/ livre para amar/ o seu amor/
ame-o e deixe-o/ ir aonde quiser",
eram os versos em que os quatro
se revezavam.
Além de crítica comportamental e defesa ao amor hippie, livre,
leve e solto, fazia alusão discordante ao slogan ditatorial nacionalista/ufanista de seis anos atrás,
o célebre "Brasil, ame-o ou deixe-o", do governo Médici.
"Isso foi proposital, isso foi.
Compus pensando no "ame-o ou
deixe-o'", diz o hoje ministro que
discursa contra monopólios e oligopólios dentro de um governo
de colorações neonacionalistas.
"Acho que foi suficientemente
compreendido, tive manifestações explícitas de pessoas referindo-se a essa compreensão", diz.
Gil afirma não crer em qualquer
relação entre aquela provocação
algo cifrada e a nova rodada de
perseguição a um artista que já fora exilado pela ditadura em 1969
mas também não descarta a possibilidade de ter atingido o alvo
plantado no Planalto Central do
Brasil. "Acho que a ditadura percebeu, sim."
(PAS)
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