São Paulo, Quinta-feira, 04 de Novembro de 1999
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CINEMA
Museu abre hoje festival com filmes do cineasta paranaense, como "A Causa Secreta" e "Romance"
Corrosão de Bianchi é exibida no MIS

Reprodução
Rodrigo Santiago e Isa Kopelmann em cena de "Romance", de Sérgio Bianchi


PAULO SANTOS LIMA
especial para a Folha

Sérgio Bianchi ainda filma. Isolado e trabalhando "diariamente das 9h às 10h", como ele próprio enfatiza, em seu apartamento no centro de São Paulo, aguarda os últimos recursos para concluir a mixagem de seu "Cronicamente Inviável", projeto em que, nas suas próprias palavras, está envolvido há cinco anos.
O MIS (Museu da Imagem e do Som) prepara o público para a estréia prometida para o próximo semestre com a exibição de todos os filmes do cineasta paranaense, desde os curtas inspirados em contos de Julio Cortázar à contundência de "Romance", longa-metragem concluído em 1988.
A mostra fica em cartaz até o dia 7 de novembro (leia programação ao lado), numa oportunidade rara, já que apenas "A Causa Secreta" foi lançado em vídeo e "Romance" foi comprado por uma emissora que ainda não o exibiu.
Relíquias como o curta-metragem "Omnibus" (72) e "Divina Previdência" (93), este último, seu primeiro longa e um dos seus filmes mais experimentais.
Bianchi optou pelo trabalho em seu apartamento -cujas paredes estão forradas de fotografias que ele próprio tirava, nos anos 70, quando se aventurava no estudo da fotografia, antes de dirigir filmes. "Nada de cinema há um ano. Aliás, saio raramente e prefiro cuidar de minhas coisas aqui em casa", disse.
E nada de política, também. Como ele disse à Folha, "falar sobre política cinematográfica pode significar não trabalhar mais". Leia a seguir o que Sérgio Bianchi falou sobre o cinema brasileiro, sua experiência na ECA e seu processo criativo.

Folha - Você ficou surpreso com uma mostra de seus filmes?
Sérgio Bianchi -
Sim, é muito bom. Para você ter uma idéia, "Romance" ficou em cartaz duas semanas nas salas de exibição e nunca mais foi relançado nos cinemas ou na TV.

Folha - É o velho problema da distribuição?
Bianchi -
E o problema é o Brasil não gostar da própria cultura. Naquela época, filme brasileiro já era desova e passava só no Belas Artes. Para se lançar um filme, hoje, são necessários dinheiro e espaço na mídia.

Folha - Como "Orfeu"?
Bianchi -
Não cito nomes. Já é muito difícil meus colegas fazerem cinema aqui.

Folha - Seus filmes sempre foram extremamente críticos e pessimistas, não?
Bianchi -
Sim, desde os anos 80 venho tendo problemas para financiar meus filmes. Só que, agora, a coisa ficou mais complicada, pois são diretores de marketing, por exemplo, que decidem se seu filme vale investimento ou não. E, no mais, sou meio malcriado. Sou daqueles que perdem o amigo, mas não perdem a piada.

Folha - À época da Embrafilme era melhor?
Bianchi -
Vendo agora, dá impressão que sim, mas sempre houve problemas. A culpa não é só de coisas como a globalização, não é só a política cultural, mas é essa colonização cultural na qual vivemos. Nunca estivemos tão colonizados como agora. A mídia comprova isso, veiculando e propagando tudo o que vem de fora. E há uma elite nesse país que aplaude isso tudo. O dinheiro, aliás, não deixa de ser indiretamente estatal, já que há debitação no imposto de renda.

Folha - O que fazer, então, já que a Lei do Audiovisual não consegue cumprir as exigências neste renascimento do cinema nacional?
Bianchi -
Renascimento? A mídia sepultou 20 anos de história do cinema brasileiro, saltando do cinema novo ao tal renascimento. Há grandes diretores, mas fazer filme brasileiro continua sendo muito árduo, muito penoso.

Folha - O que você propõe?
Bianchi -
Sou a favor de curadoria. O dinheiro do Estado seria um fundo perdido gerenciado por curadores com tempo fixo. Se o curador fizesse com que bons filmes fossem lançados, ele continuaria. E, melhor, com curadores diferenciados para cada área do cinema. Mas é só uma idéia.

Folha - "Cronicamente Inviável" é seu filme mais caro?
Bianchi -
Sim, seu orçamento já passa do R$ 1 milhão, mas não porque rodei em vários estados. Ele é mais caro porque todos as produções estão custando acima do normal. Um fotógrafo, um cameraman ou mesmo um ator cobrarão um preço "justo", ou seja, o preço que uma superprodução pode bancar.

Folha - O que você admira no cinema atual?
Bianchi -
Não sou crítico de cinema para escolher bons e maus filmes. Não qualifico os filmes, pois eles são mal lançados e não seria justo denegri-los.

Folha - O que o influenciou no cinema?
Bianchi -
Não sei. Fiz sete faculdades. Não conclui nenhum curso, mas a ECA, entre 69 e 72, me marcou muito, com a geração de Paulo Emilio Salles Gomes e Roberto Santos.

Folha - E como você sobrevive?
Bianchi -
Vivo bem, apesar da frustração de fazer cinema de jeito tão penoso. E, para se viver bem, dinheiro não é necessário.


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