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DRAUZIO VARELLA
Violência urbana
A violência urbana é uma
doença contagiosa de causa
multifatorial. Pode acometer indivíduos de qualquer classe social, mas é nas camadas mais pobres que ela se torna epidêmica.
Tradicionalmente, as sociedades responderam à violência urbana com o encarceramento. Das
masmorras da Idade Média às
cadeias de hoje, o sistema prisional pouco evoluiu em sua essência. Este artigo não tem a pretensão de apontar soluções para a
criminalidade, pretende apenas
mostrar a extrema complexidade
do problema.
O argumento mais aceito para
justificar a violência que se instalou nas grandes cidades nos últimos 30 anos é o da desigualdade
social. De fato, sociedades desiguais tendem a se tornar mais
violentas. Tal tendência não explica, entretanto, o aumento da
violência ocorrido em países como Suécia ou Dinamarca, no
mesmo período. Nem explica por
que a criminalidade está diminuindo nos Estados Unidos desde
1992, quando, na década de 90,
houve aumento sem paralelo na
concentração de renda naquele
país. Não consegue justificar nem
sequer por que, numa mesma família, apenas um dos filhos envereda pelo crime, enquanto os outros enfrentam três conduções para chegar ao trabalho na hora
certa.
O segundo argumento fala da
superpopulação dos grandes centros urbanos, fenômeno ocorrido
na segunda metade do século.
Quanto menor o espaço individual, maior a agressividade entre
os homens, muitos imaginam.
Não é verdade. Tóquio tem mais
de 10 milhões de habitantes apinhados em espaços mínimos, e senhoras de idade podem andar
tranquilas pelas ruas a qualquer
hora da noite. O pavilhão 5 do
Carandiru, em São Paulo, é de
longe o mais lotado da cadeia:
são 1.600 homens feito sardinha
em lata. Nos últimos dois anos e
meio, foi assassinado um único
preso em suas dependências, número insignificante comparado
às mortes que ocorreram nos outros pavilhões.
O terceiro aponta a impunidade como estímulo para os marginais. Não há como negar que, em
sociedades como a nossa, a falta
de punição estimule a criminalidade. No Carandiru, quando pergunto a um preso por qual motivo
foi condenado a oito anos de cadeia, e ele diz que foi por causa de
dois assaltos, a segunda pergunta
que faço é: mas quantos você cometeu? Não é raro ouvir que foram mais de 50 ou cem.
Embora programas de repressão do tipo tolerância zero tenham tido sucesso parcial em algumas cidades no exterior, é preciso lembrar que a aplicação desses programas só tem sido possível
depois de amplas reformas das
polícias locais, que tornaram a
carreira mais atraente e estabeleceram estratégias enérgicas de
combate à corrupção.
A questão da impunidade, no
entanto, é indissociável do encarceramento, uma vez que prender
alguém significa trancá-lo. O argumento de que lugar de ladrão é
na cadeia, aparentemente lógico,
não é tão simples de ser aplicado
na prática. Senão vejamos:
1) É muito difícil pôr na cadeia
os chamados criminosos de colarinho branco, que servem de péssimo exemplo à população. A Justiça brasileira não está preparada
para enfrentar esses casos. Ladrões de dinheiro público, por
exemplo, costumam ocupar cargos que lhes garantem impunidade legal ou contratar advogados
que encontram recursos para tornar seus processos intermináveis.
2) Prender mais não diminui
obrigatoriamente a criminalidade. Nunca se prendeu tanto como
no Brasil de hoje, e a violência
não pára de crescer. No Estado de
São Paulo, o governo atual duplicou o número de vagas nos presídios. Foram todas ocupadas sem
qualquer impacto na redução da
violência. Se fossem cumpridas as
dezenas de milhares de mandados de prisão já expedidos, quantos presídios mais seriam necessários? A que custo?
3) A experiência americana é
didática: em 1970, havia um presidiário para cada mil habitantes.
Nos 20 anos que se seguiram, o
aprisionamento aumentou de tal
forma que, em 1990, eram cinco
americanos presos para cada mil
habitantes.
Nesse período, paradoxalmente, os índices de criminalidade
cresceram ano após ano.
Embora na maioria dos casos
não existam alternativas à prisão, é importante lembrar que o
aprisionamento tem efeito apenas passageiro: o criminoso preso
fica impedido de delinquir nas
ruas. Quando é libertado, porém,
está mais pobre, rompeu laços familiares e sociais e dificilmente
encontrará emprego. Além disso,
na prisão, estabeleceu conexões
mais sólidas com o mundo do crime. A probabilidade de voltar a
delinquir será grande, como atestam os baixíssimos índices de reabilitação de nosso sistema penal.
Construir cadeias custa caro;
administrá-las, mais ainda. Seria
mais sensato investir o que gastamos com elas em educação para
prevenir a criminalidade. Mas como reagir à ousadia dos criminosos que infernizam nossas famílias sem investir milhões em novos presídios e repressão policial,
mesmo sabendo que se trata de
uma guerra perdida?
Estamos atolados nesse impasse. Serão necessários investimentos e muitos anos de trabalho
educativo junto às camadas nas
quais a violência se tornou epidêmica para que a criminalidade
brasileira comece a diminuir lentamente. A complexidade do problema é tal que requer prioridade
do governo e envolvimento eficaz
da sociedade em ações comunitárias. Não existem soluções mágicas, infelizmente.
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