São Paulo, sexta-feira, 04 de novembro de 2005

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"O MERCADOR DE VENEZA"

Versão de Shakespeare vai ao passado para falar do presente

Divulgação
Antônio (Jeremy Irons, ao centro) coloca seu corpo em risco ao fazer contrato com agiota judeu, em cena de "O Mercador de Veneza"


BRUNO YUTAKA SAITO
DA REPORTAGEM LOCAL

É fácil entender por que, das peças de Shakespeare, "O Mercador de Veneza" é um de seus trabalhos menos visitados pelo cinema. À primeira vista longe dos temas mais universais de um "Romeu e Julieta", esse texto ficou marcado como "a peça anti-semita" do autor inglês.
O diretor Michael Radford encontrou território amplo em Shakespeare. Se faltam dados precisos sobre a real intenção do dramaturgo, sabe-se que suas peças vasculhavam as questões mais íntimas do ser humano. Daí a questão: texto anti-semita ou texto sobre o anti-semitismo?
A trama é fiel ao autor. Estamos na Veneza do século 16, e o mercador Antônio (Jeremy Irons) resolve ajudar seu amigo Bassânio (Joseph Fiennes), homem endividado e que precisa de dinheiro para se casar com uma herdeira, Pórcia (Lynn Collins). Acontece que Antônio pede dinheiro ao agiota judeu Shylock (Al Pacino), homem a quem humilhara anteriormente, por puro anti-semitismo. Shylock aceita a proposta, mas adverte: caso o empréstimo não seja pago, irá requerer um pedaço da carne de Antônio. E daí vem o retrato pouco lisonjeiro dos judeus. Quando Antônio cai em desgraça, Shylock buscará fazer cumprir à risca seu contrato, a despeito dos apelos cristãos.
O filme busca soluções ambíguas. Shylock continua vilanesco, mas agora "O Mercador..." tem um prólogo, quase documental, que explica a então situação socioeconômica: judeus eram confinados em guetos etc. Em vez de uma caricatura, temos um homem real, não mais simpático. Logo no início, vemos Shylock levando uma cusparada de Antônio. A questão é vingança.
Já o sempre triste Jeremy Irons dá a seu Antônio um caráter homossexual mais claro. O que o motiva? Ao aceitar o contrato, não estaria assim assinando sua sentença de morte, ao renunciar a seu amor por Bassânio? Se o tom original era de comédia, este longa está mais perto da tragédia.
Radford caminha entre avanços e recuos. Ao adotar uma rigorosa reconstituição de época, com direção de arte e fotografia que remetem a quadros de Rembrandt e Velázquez, nos leva a um envelhecido museu. Ao mesmo tempo, as questões de intolerância e vingança nos trazem ao mundo pós-11 de Setembro. Não são poucos os momentos em que sugere que o mundo pouco evoluiu.


O Mercador de Veneza
The Merchant of Venice
  
Direção: Michael Radford
Produção: EUA/Itália/ Inglaterra/ Luxemburgo, 2004
Com: Al Pacino, Jeremy Irons
Quando: a partir de hoje nos cines Lumière, Reserva Cultural e circuito


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