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"Revista do Lalau" relembra Sérgio Porto
Livro organizado por Luís Pimentel traz produção assinada pelo jornalista e seu pseudônimo, Stanislaw Ponte Preta
Livro compila textos sobre jazz, críticas musicais, roteiro de espetáculo
de humor e música, "mulherologia" e ficção
CAIO JOBIM
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA, DO RIO
Sérgio Porto (1923-1968) trabalhava por dois -e sem tirar
férias. Às atividades que atribuía a si próprio ("jornalista,
radialista, televisista, teatrólogo, humorista, publicista e bancário") pode-se acrescentar
ainda as de ficcionista, crítico e
historiador musical, roteirista
de cinema, compositor e "mulherólogo". Parte dessa produção, ora assinada por Sérgio
Porto, ora por Stanislaw Ponte
Preta, está em "A Revista do Lalau", livro organizado pelo jornalista Luís Pimentel.
Porto criou o pseudônimo
Stanislaw Ponte Preta para escrever com mais liberdade e
acabou refém de seu próprio
personagem. Ponte Preta se
transformou num personagem
popular do Brasil da metade do
século 20 e roubou parte da notoriedade que cabia ao criador.
"Gosto mais do Sérgio porque ele é muito mais gente, né?
Mas é tudo muito natural. O
que acontece é que o Stanislaw
é popular e vende tudo muito
bem: livro, disco, show, piada.
Aí, ele parece existir mais. Antigamente, por exemplo, muita
gente não sabia quem era Stanislaw. [...] Hoje todo mundo
sabe que um é o outro, não tem
mais aquele mistério. Quer dizer, o Stanislaw resiste ao Sérgio, entende? Mas não acaba
com ele não", disse Porto em
entrevista reproduzida no livro, concedida em 1968, pouco
antes de sua morte.
O primeiro capítulo retrocede a 1949, anterior à invenção
do personagem. Trata-se da
reedição de "Pequena História
do Jazz", um breve compêndio
sobre o gênero, acrescido do artigo "O Jazz no Brasil", em que
ele conclui que o sucesso do
samba não deu margem para
que o jazz conquistasse aqui o
mesmo êxito que obtivera nos
Estados Unidos e na Europa.
Não que houvesse uma crítica ou uma preferência pela música estrangeira em tal constatação. Pelo contrário. Porto era
igualmente apaixonado pela
música brasileira e rejeitava a
sua contaminação por modismos importados.
Em crítica a Gilberto Gil e
Caetano Veloso, referiu-se à
tropicália como "música de laboratório". Sobre o disco que
Tom Jobim dividiu com Frank
Sinatra, escreveu que se tratava
da confirmação de que "a indústria fonográfica norte-americana procura fazer com o
samba o que fez com a música
italiana, ou seja, despersonalizá-lo a ponto de transformar o
samba numa canção de agrado
dos fãs de Frank Sinatra".
Sua militância não se resumia aos textos. Em 1968, o
compositor do "Samba do
Crioulo Doido" criou um show
de humor e música no qual se
apresentava ao lado do Quarteto em Cy. O roteiro do espetáculo está no livro. Ponte Preta
comparece com notas e notícias que guardam parentesco
com aquelas editadas nos três
volumes dos "Febeapás" (Festival de Besteira que Assola o
País), já relançados pela Agir.
Mulheres
Contribuição fundamental
de Ponte Preta resgatada pelo
livro é a "mulherologia". Nem
ciência nem doutrina, "a arte
de admirar a mulher, respeitando-a sempre" remete-nos às
Certinhas do Lalau. As fotos reproduzidas no livro comprovam: era uma verdadeira seleção brasileira de mulheres.
Norma Bengell fez parte desse
time. Nascidas como "As Mais
Bem Despidas do Ano" na revista "Manchete", em 1954, as
"certinhas" se tornaram uma
"coqueluche" nacional, uma
expressão da época.
A rara produção ficcional de
Ponte Preta aparece em dois
contos: "O Elefante" e "Garota
de Ipanema". A de Porto está
nos primeiros capítulos de um
romance interrompido. Com
traços autobiográficos, "O
Transplante" conta a história
de um homem de meia-idade
que, após sofrer um enfarte, recapitula momentos de sua vida.
Porto deixou-o inacabado ao
morrer. De coração.
A REVISTA DO LALAU
Autor: Sérgio Porto
Organizador: Luís Pimentel
Editora: Agir
Quanto: R$ 89,90 (267 págs)
TRECHOS
"Boite" é influência da vida
noturna de Paris ecoando na
noite do Rio. Noutra
oportunidade o mais vivo dos
Ponte Preta definiu de forma
muito feliz uma "boite",
explicando que esses
inferninhos não passam de
botequins de luzes apagadas,
onde você se intoxica por
preços exorbitantes.
[...]
Em Nova Iorque, Geni da Silva,
uma brasileira de 23 anos,
anunciou a primeira exibição
autêntica de macumba numa
boate de Village Gate. Diz ela
que invocará os espíritos de
Xangô e Ogum, mas Primo
Altamirando, que soube de
suas intenções, afirmou,
enfático: "Com o dólar ao
preço que está, duvido que
algum santo baixe em Nova
York."
[...]
Tarado por calcinha: Depois
de se livrar das correntes que o
prendiam à gaiola, um
macaco chamado Chico, há
dois dias, era dado como
desaparecido pelo seu dono. À
noite reapareceu, invadindo
residências de Bonsucesso e
furtando calcinhas das moças
para ir rasgá-las em cima dos
telhados.
[...]
Agostinho dos Santos foi
cantar num programa de
televisão, e quando parou de
cantar, foi cantado por uma
linda sueca que estava no
auditório. O animador,
quando viu o monumento de
mulher, pediu para ganhar
uma colher-de-chá. Resposta
de Agostinho: "Bem feito,
quem mandou ser branco".
Extraído de "A Revista do Lalau",
de Sérgio Porto
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