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LAERTE CARTUNISTA
Acho possível sair na rua e ser aceita dessa maneira
CARTUNISTA EXPLICA QUE SEMPRE TEVE VONTADE DE SE VESTIR COMO MULHER E
QUE O PRAZER "É VOCÊ ESTAR LIVRE DOS CÓDIGOS"
DE SÃO PAULO
De salto médio, meias coloridas, maquiagem leve e
namorada a tiracolo, Laerte
chega para dar entrevista à
Folha sobre seu novo estilo
de vida. Confira.
(IVAN FINOTTI)
Folha - Diversas possibilidades para a mudança do seu
estilo de vida passam pela cabeça. A primeira delas é que
você pirou, um processo que
teria começado em 2005, com
a morte de seu filho num acidente de carro, passou pelas
tiras da Ilustrada, cada vez
mais estranhas, e agora isso.
Você está louco, Laerte?
Laerte Coutinho - Eu não
me sinto fora do eixo, fora do
tom, fora de nada. Comecei a
me aproximar do travestimento, ou "cross-dressing",
em 2004. Interrompi -e a
morte de meu filho tem um
peso nisso- e retomei em
2009. Fiz a minha primeira
montagem em 2009. Mas as
coisas que se evidenciaram
[em meu trabalho] a partir de
2005 já estavam ali, latentes,
germinando em 2004.
Uma segunda possibilidade é
que você se veste porque isso
dá tesão.
Não, não é um fetiche sexual. Não é, nem é um tema
que me interessa agora. O
travestimento é uma questão
de gênero, não de sexo. São
coisas independentes, autônomas, que nem o executivo
e o legislativo. É um erro fazer essa mistura. "Ah, está
vestido de mulher, então é
viado." "Jogou bola, é macho." E eu que gostava de
costurar e de jogar bola?
O que tenho feito é investigar essa parte de gênero. O
que tenho descoberto é que
isso é muito arraigado, essa
cultura binária, essa divisão
do mundo entre mulheres e
homens é um dogma muito
forte. Não se rompe isso facilmente. desafiar esses códigos perturba todo o ambiente
ao redor de você.
Mas você é bissexual, certo?
Sou.
E não há ligação entre isso e o
"cross-dressing"?
Não.
Você está fazendo isso para
espantar o tédio?
Não faço isso porque a vida está sem graça. O problema é a vida submetida a essa
ditadura dos gêneros, a esses
tabus que não podem ser
quebrados. É você sentir que
sua liberdade está sendo tolhida, que as possibilidades
infinitas que você tem de expressão na vida, ao sair, ao se
vestir, ao se manifestar, ao
tratar as pessoas, seu modo,
seu gestual, sua fala, tudo isso é cerceado e limitado por
códigos muito fortes e muito
restritos. Isso é uma coisa
que me incomoda.
As pessoas aparentam normalidade e tentam não demonstrar um espanto, certo?
Por uma razão: se demonstram espanto, estão ferindo
um código de boa conduta
intelectual. Demonstram que
não são modernos, por
exemplo.
E na rua?
Quando eu estou na rua de
saia e passa uma kombi e o
cara faz "fiu-fiu" pra mim, ele
não teve dificuldade nenhuma em fazer aquilo. E eu também recebo de forma muito
clara.
Você dá pistas de que vai estar travestido quando vai encontrar uma pessoa que ainda não sabe?
Existe uma tática, um modo de preparar um pouco.
Vou na casa de uma pessoa
que não conheço, não vou totalmente montado. Questão
de bom senso.
Mas você pode ir de homem?
Estou abolindo esses negócios.
Você pode ir sem maquiagem?
Eu estou sem maquiagem.
Ops, ah, não, estou com olho
pintado! Mas posso, sim, ir
sem maquiagem.
Como foi o Natal em família?
Com vestido?
Não, não. Só unha mesmo.
Não estava nem de bolsa.
Acho que foi mais mãos mesmo. Rolou um certo estranhamento com o cabelo. Esse corte feminino, feito pela
[minha namorada] Tuca.
Avisou de alguma forma para
se prepararem?
Não, fui na louca.
E o Angeli? Você já encontrou
o Angeli?
Eu estou dando pra ele! (risos)
Ele vai adorar ler isso!
(Risos) Brincadeira. O Angeli é uma beleza. Achou superlegal. O Angeli é um
exemplo de que uma pessoa
pode ser completamente hétero e legal.
Como você explica isso para
as pessoas?
É como se a vida tivesse me
levado a essa circunstância
e, quando eu me vi, percebi
que aquilo representava uma
busca pra mim. Foi mais ou
menos isso que senti. Quando vi, comecei a fazer tiras do
Hugo virando a Muriel.
O lema do Brazilian Crossdresser Club, do qual você faz
parte, é "existimos pelo prazer de ser mulher". Que prazer é esse, Laerte?
Eu não concordo muito
com esse lema, porque é uma
frase que procura construir
uma certa fantasia que eu
não partilho. Eu não vou ser
mulher nunca. Mas acho que
é possível sair na rua e ser
aceita como uma pessoa que
se veste daquela maneira,
que se enfeita e se produz e se
apresenta daquela maneira.
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