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Livro faz estudo dos personagens do escritor brasileiro à luz das teorias da psicanálise
Freud explica Machado
Embora tenha usado idéias que estão na obra de Sigmund Freud, autor pode não ter lido psicanalista
CYNARA MENEZES
DA REPORTAGEM LOCAL
Que Capitu, que nada. Bentinho
sentia mesmo atração era pelo
pretenso rival, Escobar. Daí seus
ciúmes paranóicos da mulher, a
de olhos de ressaca, de cigana
oblíqua e dissimulada. Capitu, afinal inocentada da acusação de ser
infiel ao marido, é apenas "a que
ama no lugar do outro".
O homossexualismo enrustido
do personagem principal e narrador de "Dom Casmurro" é defendido em "Freud e Machado de Assis", estudo dos personagens do
escritor brasileiro à luz das teorias
do "pai" da psicanálise.
No divã, Bentinho, homem fraco, dominado pela mulher e pela
mãe, não resiste em dar sinais claros de uma sexualidade mal resolvida, segundo o psicanalista carioca Luiz Alberto Pinheiro de
Freitas, autor do livro. "Ele diz
que Capitu ama Escobar, mas
quem ama Escobar é ele", afirma.
"É Freud quem aponta para esse
tipo de pessoa que o Machado
percebeu, que tem uma paixão
homossexual pelo outro, mas diz
que é a mulher que tem. Não é nenhuma invenção minha. E Machado insinua isso em vários momentos do livro."
Para exemplificar, Freitas reproduz o trecho em que Bentinho
e Escobar, a quem acusaria de ser
amante de sua mulher, encontram-se no seminário: "Fiquei tão
entusiasmado com a facilidade
mental do meu amigo, que não
pude deixar de abraçá-lo. Era no
pátio; outros seminaristas notaram a nossa efusão; um padre que
estava com eles não gostou".
Machado (1839-1908), ao que
tudo indica, pode não ter lido
Freud, apesar de haver sido contemporâneo da psicanálise durante seus últimos anos de vida
-a primeira edição de "Dom
Casmurro" é de 1899; Sigmund
Freud (1856-1939) lança "A Interpretação dos Sonhos" no ano seguinte. Na biblioteca do escritor
brasileiro, não teria sido encontrado nenhum volume que se referisse à psicanálise.
Dono de uma intuição poderosa na criação da psicologia de seus
personagens, Machado anteciparia aspectos estudados posteriormente por Freud ao ponto de o
crítico literário Roberto Schwarz
afirmar, em uma mesa-redonda,
em 1982 (citado no livro de Pinheiro de Freitas): "É um autor
que em 1880 está dizendo coisas
que Freud diria 25 anos depois".
Em "Freud e Machado de Assis", algumas dessas nuanças da
vida interior que poderiam ter se
tornado, quem sabe, alvo da interpretação do próprio inventor
da psicanálise, caso tivesse lido
Machado, são enumeradas a partir da "terapia" sobretudo de personagens femininos. "Ele escrevia
em jornais para mulheres, e todas
as suas obras, mais enfaticamente
as da segunda fase, têm personagens femininos marcantes", justifica Freitas.
Seis mulheres machadianas, ao
todo, são psicanalizadas: quatro
(Virgília, Marcela, Sofia e Capitu)
representando as "pecadoras",
que teriam dado um trabalhão e
tanto a Freud, e duas representativas do "ideal" feminino na visão
do homem -a viúva Fidélia e a
morta Carmo, não casualmente
inspirada na mulher de Machado,
Carolina. Nelas, Pinheiro de Freitas vai achar seus "casos".
A questão da histeria, por exemplo, é representada por Sofia, personagem de "Quincas Borba"
(1891), mulher casada que seduz
conscientemente Rubião, sem
nunca ceder ao assédio, e acaba
por levá-lo à loucura. De acordo
com o psicanalista, é a máxima
encarnação da histérica tal qual a
via Freud: "Um sujeito que se julga privado do falo", define.
Se Freud defendia em "Moral
Sexual "Civilizada" e Doença Nervosa Moderna" (1908) que "a cura
das doenças nervosas decorrentes
do casamento estaria na infidelidade conjugal", está a "atrevida"
Virgília, de "Memórias Póstumas
de Brás Cubas" (1881), que não o
deixa mentir.
Virgília, movida por certo interesse de ascensão social ao se casar com Lobo Neves, encontra o
consolo sexual e amoroso, isenta
de sentimento de culpa, nos braços de Brás. "Entre ter um amante
e um sintoma histérico, o autor
preferiu o caminho do amante. É
melhor gozar na cama do que no
sintoma", escreve o psicanalista.
A infidelidade -ou sua suspeita- está presente em vários romances de Machado, desde o primeiro, "Ressurreição", de 1872,
em que Félix hesita em se casar
com Lívia porque teme ser futuramente traído. E mesmo em "Memorial de Aires" (1908), livro crepuscular em que o escritor enfoca
a velhice, aparece a questão da
manutenção da fidelidade diante
da morte do companheiro.
Sabe-se que Freud se interessava pela literatura. Admirava Shakespeare, Goethe, Sófocles -do
dramaturgo grego tirou seu complexo de Édipo. Escreveu sobre o
assunto, como em "Dostoiévski e
o Parricídio" (1927-1928). E declarou: "Se desejarem saber mais a
respeito da feminilidade, (...) consultem os poetas". Para Pinheiro
de Freitas, Machado seria um desses poderosos oráculos.
FREUD E MACHADO DE ASSIS - UMA INTERSEÇÃO ENTRE PSICANÁLISE E LITERATURA. De: Luiz Alberto Pinheiro
de Freitas. Editora: Mauad. Quanto:
preço a definir (175 págs.)
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