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Tudo é Rogério Sganzerla
Em "Tudo É Brasil, que estréia hoje, o diretor narra a vinda de Orson Welles ao Brasil, nos anos 40
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LEDUSHA
Colunista da Folha
Com "Tudo É Verdade", que estréia hoje, o cineasta Rogério Sganzerla retoma um assunto que já havia abordado no filme "Nem Tudo
É Verdade": a passagem de Orson
Welles pelo Brasil. Em entrevista à
Folha, o diretor fala mais sobre o
cineasta norte-americano.
Folha - Como começou esse romance com Orson Welles?
Rogério Sganzerla - Em 1965 fiz
artigos sobre "Cidadão Kane".
Folha - Fazia crítica literária e de
cinema?
Sganzerla - Exatamente. Escrevia
para "O Estado de S.Paulo". Aí um
amigo me convidou para ir ao juizado de menores para ver o filme e
me deu uma carteira de fiscal, o
que me permitia entrar em qualquer cinema de graça. Essa carteira
fez com que eu visse três, quatro
trechos de filmes por dia. Havia
uma produção mundial muito interessante na época... Quando vi o
filme, já conhecia de cor o roteiro.
Folha - Como foi ver o filme?
Sganzerla - Achei muito melhor,
muito diferente do que eu imaginava. Pensei: "Como esse filme é
novo, tem uma pulsação!". O cara
só tinha 25 anos, mas o filme era de
uma maturidade incrível. O que
veio depois é consequência disso.
Folha - E o que veio antes?
Sganzerla - O mais interessante é
que em 1958 eu tinha 12 anos e, nas
festinhas, nós usávamos a mesma
emblemática do Welles. Eu colocava uma camisa listrada com paletó
por cima, tomava cachaça com Coca-Cola e gritava: "Tudo é Brasil!".
Quando fui ver o Welles dizendo
isso, a foto dele com a roupa que a
gente sem saber usava, com a Coca-Cola, eu disse que a gente já estava influenciado sem saber!
Folha - Qual o sentido do seu "tudo é Brasil" naquela época?
Sganzerla - Tinha aquele otimismo da época, "tudo é possível".
Nem imaginava que iria encontrar
tantas dificuldades.
Folha - Como tem sido sua relação com a crítica?
Sganzerla - Sempre tive uma relação bacana com a crítica. Acho
que o meu problema não é com os
críticos, é com os burocratas. O
burocrata condena aquilo que não
processa. É um cara que nunca fez
nada e fica cagando regra.
Folha - Voltando ao Welles, como
você já disse, ele é o maior mito...
Sganzerla - ...da comunicação
humana. Porque tudo é antes e depois de Orson Welles. No rádio, no
teatro. Ele tinha um conhecimento
profundo de literatura também.
Não se preocupou em inovar o
nosso cinema, mas fez tudo que o
cinema brasileiro viria a fazer.
Folha - Onde começa o blablablá
sobre Orson Welles no Brasil?
Sganzerla - Primeiro, ele deve ter
falhado por dois motivos: um, em
relação à administração do dinheiro. O outro foi que ele não conseguiu contar, ou melhor, nunca
contou nem lamentou essa história. O que faltou a ele foi o apoio da
nossa inteligência. Todos achavam
que o sujeito era um irreverente e
se dava bem com o povo. Mas
quem acabou, deu o golpe de misericórdia, foi Portinari.
Folha - Como foi essa história?
Sganzerla - Portinari disse a ele:
"O senhor, sr. Orson, nunca percebeu o que fez lá em Ouro Preto?".
Aí eu procurei saber o que o Welles
tinha feito lá. Ele tinha mijado na
rua (risos). Não dá, né? Era um stalinista, um típico seminarista, esse
Portinari. Para mim, ele sempre foi
um péssimo pintor. Eu sei que ele
tem técnica, mas é um lixo aquilo.
Folha - Você não acha que o Welles tinha um quê oswaldiano?
Sganzerla - Tinha, eles tinham
um temperamento semelhante.
Uma vez o Oswald tomou a iniciativa de telefonar para o Welles de
São Paulo. Quando ele atendeu, o
Oswald falou: "Aqui está falando o
gênio da América do Sul querendo
falar com o gênio da América do
Norte" (risos). Conversaram e o
Oswald escreveu um roteiro que
dedicou a Orson Welles. Eu achei
esse roteiro.
Folha - E o que foi feito dele?
Sganzerla - Eu o filmei, chama-se
"O Perigo Negro". É sobre futebol
e o processo da Copa do Mundo.
Permanece inédito no Brasil.
Folha - Além do temperamento
irreverente, o que você acha que
fomentou a má-fama de Welles?
Sganzerla - Uma certa ingenuidade, uma imagem de "alojado"
do enviado formal da política da
boa vizinhança, que se transformou num criador de casos para o
Estado Novo. Sem esquecer uma
certa inexperiência. Numa idade
crítica, ele, que veio como diplomata cultural em tempo de guerra,
foi convidado para jantar com as
autoridades da época, mas chocou
muita gente porque preferia tomar
cachaça com Grande Otelo. Acho
que o filme mostra bem o Orson
em foco infinito, tem uma estrutura meio circular, que faz parte até
do temperamento dele.
Folha - Como foi o comportamento do governo nesse caso?
Sganzerla - Foi o governo quem
teve a idéia, convidou, no fim deu
um pé na bunda. Ele foi cuspido
para fora numa prova de brutalidade, de intolerância, que é o problema do abuso de autoridade, que
é o grande problema do século que
Welles denunciou nos filmes.
Folha - Essa "traição" ainda acontece?
Sganzerla - Claro, é um dos principais motivos por que a gente tem
produzido tão pouco aqui. "O
Bandido da Luz Vermelha", que
está fazendo 30 anos, estreou em
novembro de 68 e não saiu nem
uma notinha na imprensa. Nem
houve uma reprise, ninguém dava
nada por ele. Dos que foram promovidos, ninguém mais fala nada.
Há certas verdades que surgem
como blasfêmias e terminam como superstições. Isso para mim é o
resumo da história. Acho que o
Brasil merece um cinema melhor.
Estamos esperando incentivos durante todo o ano, é preciso liberar
isso imediatamente.
Folha - Para quem você dá nota
dez hoje?
Sganzerla - (O cineasta Hector)
Babenco. Ele é ótimo. O filme dele
é espetacular, vi em Cannes. Parece a história de todo mundo.
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