São Paulo, sexta-feira, 05 de janeiro de 2001

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A demência de Sade

Marquês vira estrela de rock decadente em atuação de Geoffrey Rush, que concorre ao Globo de Ouro

Divulgação
Geoffrey Rush interpreta o escritor do título em "Contos Proibidos do Marquês de Sade", adaptação dirigida por Philip Kaufman, que estréia hoje nos cinemas


MILLY LACOMBE
ESPECIAL PARA A FOLHA, EM LOS ANGELES

Ele foi um espião em "Elizabeth" (98), dono de teatro em "Shakespeare Apaixonado" (98), soldado em "Os Miseráveis" (98) e levou o Oscar pela interpretação que fez do pianista mentalmente perturbado David Helfgott em "Shine - Brilhante" (96). Agora, Geoffrey Rush encontra-se a caminho de nova indicação ao Oscar por seu desempenho como o marquês de Sade.
"Alguns interpretam gângsteres por anos a fio, outros vivem naquele mundo que fica entre o teatro e o cinema. Sinto-me mais conectado ao repertório teatral."
Mas Rush conta que, no começo, pensou que fosse a escolha errada para o papel. "Estudei Sade na universidade e sabia que, naquele ponto de sua vida, ele era pelo menos 20 anos mais velho e uns 30 quilos mais gordo do que eu." Além disso, convidar um ator australiano para interpretar um personagem francês com sotaque britânico era uma idéia demasiadamente americana.
Só que, ao perceber que o roteiro de Dough Wright estabelecia conexões contemporâneas (situado na França napoleônica, o filme projeta-se à América de Clinton), Rush achou que poderia se vestir apropriadamente de Sade.
Mais que isso, Rush viu uma oportunidade de visitar os lugares mais inóspitos da mente humana. Para contrapor, ele interpretou o personagem como se o marquês fosse uma estrela de rock decadente, uma celebridade para os outros prisioneiros do manicômio de Charenton. "Eu era um prisioneiro vip que tinha uma luxuosa suíte na cobertura", disse.
O Sade de Rush é, acima de tudo, um escritor perturbado pela necessidade de se expressar. "A escrita foi o mecanismo que ele encontrou para se libertar psicologicamente de seus demônios."
Para Philip Kaufman, Rush ousou ao interpretar o papel. "Ele conseguiu o que parecia impossível: situar-se na pequena fronteira que separa o intimidador do sedutor", disse o diretor. "Não consigo enxergar este filme sem ele."
Por isso Geoffrey Rush dificilmente será esquecido quando forem anunciadas as indicações ao Oscar, em fevereiro. "Seria presunçoso e deseducado se eu dissesse que espero ser indicado", disse apenas alguns dias antes de ser nomeado para concorrer ao Globo de Ouro, considerado uma espécie de prévia do Oscar.
Viver Sade, um escritor especializado em escrever livros picantes e que foi condenado por Napoleão a passar metade da vida em prisões e manicômios, foi para Rush um enorme prazer.
"Preparei-me para o papel com profundo entusiasmo e preciosismo. E cheguei à conclusão de que um homem como Sade deveria perfumar-se com patchuli, um odor decadente, mas marcante." Mas se arrependeu: "Kate Winslet não parava de fazer caretas e dizer que eu fedia terrivelmente".
O marquês de Sade, segundo Rush, seja talvez, de todos os seus papéis até hoje, o mais exigente. "Revisitar a vida desse homem, que pode ser um gênio ou um monstro, dependendo da interpretação que se faz de sua obra, obrigou-me a percorrer lugares obscuros e ainda não visitados em minha mente."
Além disso, para Rush, o filme explora questões sociais e culturais sobre a liberdade de expressão, e essa petulância quase sádica é extremamente sedutora.
O ator comenta uma das cenas em que fica nu: "É necessário entender que minha nudez é literal e metafórica. Não há, no filme inteiro, figurino mais eloquente do que minha nudez".


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