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LIVROS/LANÇAMENTOS
"HARTT: EXPEDIÇÕES..."
Autor vê marca do romantismo na ciência do Império
Obra dá visão profunda sobre
trabalho de geólogo americano
RICARDO BONALUME NETO
DA REPORTAGEM LOCAL
Teses de doutorado costumam ser calhamaços que
apenas os especialistas têm interesse em ler, mas muitas vezes
nem isso -ficam mofando nas
estantes, constituindo apenas o
resultado físico do ritual de iniciação de um novo pesquisador.
Mas, às vezes, esse dedicado e
demorado trabalho de pesquisa
vaza para o público.
É o caso deste livro, uma magnífica versão resumida, ilustrada e
de leitura atraente de cinco anos
de estudo de Marcus Vinicius de
Freitas, professor de literatura da
UFMG (Universidade Federal de
Minas Gerais).
É particularmente interessante
que um especialista em literatura
seja o autor de um livro de história da ciência. A obra conta a história das expedições realizadas no
Brasil imperial pelo geólogo e naturalista norte-americano de origem canadense Charles Frederick
Hartt (1840-1878) e mostra como
a ciência da época também era
vinculada ao romantismo que caracterizava a arte.
Os geólogos conhecem um pouco a história, pois Hartt foi um
pioneiro da disciplina no Brasil.
Quem consulta o capítulo relativo
à área do pioneiro "História das
Ciências no Brasil", de 1980, também se depara com uma razoável
descrição do trabalho de Hartt.
Mas faltava uma obra que fosse
mais fundo no tema.
Hartt deixou um legado de pesquisa que até hoje é lembrado.
Mas sua passagem pelo país é fascinante também pelo que pode
mostrar sobre uma época de
grandes transformações na sociedade brasileira.
"Entre o início da Guerra do Paraguai, em 1865, e a ascensão do
gabinete liberal do marquês de Sinimbu, em 1878, o Brasil passou
por profundas transformações,
que levariam à abolição da escravatura, à queda do Império, à maciça imigração de trabalhadores
europeus para o país, à transformação do espaço urbano, à emergência de novos grupos na cena
sociopolítico-cultural", escreve
Freitas.
"Contar a história de Charles
Frederick Hartt e das expedições
americanas no Brasil durante
aqueles anos, através da variada e
encantadora iconografia produzida pelas expedições, constitui um
modo de nos aproximarmos daquela cadeia de transformações",
continua o autor.
A primeira viagem de Hartt foi
como integrante da expedição
Thayer, em 1865-1866, na qual foi
assistente do famoso naturalista
suíço naturalizado americano
Jean Louis Rodolphe Agassiz
(1807-1873). A expedição, assim
como boa parte da carreira de
Hartt no Brasil, foi patrocinada
pelo imperador dom Pedro 2º.
Agassiz foi um dos grandes
cientistas do século 19, apesar de
não ter aceitado a teoria da evolução dos seres vivos proposta pelo
britânico Charles Robert Darwin
(1809-1882), que havia passado
pelo Brasil anos antes durante
uma clássica viagem de circunavegação a bordo de um veleiro de
1831 a 1836.
Hartt voltaria depois de modo
independente, em 1867, mais
duas vezes no curso das expedições Morgan, de 1870-1871, e por
último para dirigir, a partir de
1875, a Comissão Geológica do
Império. Ele morreria praticamente junto com a comissão, extinta em 1878 por injunções políticas. Hartt morre de febre amarela
no Rio de Janeiro em 18 de março
do mesmo ano.
Os trabalhos de Hartt têm importância não só para a institucionalização da ciência no Brasil,
mas para a história geral da ciência, por exemplo pelo seu papel na
controvérsia Agassiz-Darwin.
A passagem de Darwin pela
América do Sul foi crucial para
que ele desenvolvesse a teoria da
evolução através da seleção natural. Ele ficou marcado principalmente pela fauna e flora do arquipélago equatoriano de Galápagos,
pela riqueza da floresta tropical
brasileira e pelos fósseis que encontrou na Argentina.
Agassiz, portanto, idealizou
uma viagem em busca de evidências no mesmo continente que
ajudassem a refutar o evolucionismo. Chegou a propor que teria
havido uma glaciação nas áreas
equatoriais da América do Sul,
que depois foi refutada, entre outros, por Hartt -"com grande
coragem intelectual, ele corrigiu
seu erro", como lembra Freitas.
O livro é completado com um
texto curto de Sergio Burgi, do
Instituto Moreira Salles, sobre
Marc Ferrez, que foi fotógrafo da
Comissão Geológica do Império e
cujas belíssimas fotos fazem parte
das ilustrações deste livro.
Há também um texto de Vera
Maria Fonseca, do Museu Nacional, sobre o legado de Hartt nessa
instituição, onde estão hoje as coleções de fósseis coletados pela
comissão durante as expedições.
Hartt: Expedições pelo Brasil
Imperial, 1865-1878
Autor: Marcus Vinicius de Freitas
Editora: Metalivros
Quanto: R$ 90 (252 págs.)
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