São Paulo, sábado, 05 de janeiro de 2002

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LIVROS/LANÇAMENTOS

"HARTT: EXPEDIÇÕES..."

Autor vê marca do romantismo na ciência do Império

Obra dá visão profunda sobre trabalho de geólogo americano

RICARDO BONALUME NETO
DA REPORTAGEM LOCAL

Teses de doutorado costumam ser calhamaços que apenas os especialistas têm interesse em ler, mas muitas vezes nem isso -ficam mofando nas estantes, constituindo apenas o resultado físico do ritual de iniciação de um novo pesquisador.
Mas, às vezes, esse dedicado e demorado trabalho de pesquisa vaza para o público.
É o caso deste livro, uma magnífica versão resumida, ilustrada e de leitura atraente de cinco anos de estudo de Marcus Vinicius de Freitas, professor de literatura da UFMG (Universidade Federal de Minas Gerais).
É particularmente interessante que um especialista em literatura seja o autor de um livro de história da ciência. A obra conta a história das expedições realizadas no Brasil imperial pelo geólogo e naturalista norte-americano de origem canadense Charles Frederick Hartt (1840-1878) e mostra como a ciência da época também era vinculada ao romantismo que caracterizava a arte.
Os geólogos conhecem um pouco a história, pois Hartt foi um pioneiro da disciplina no Brasil. Quem consulta o capítulo relativo à área do pioneiro "História das Ciências no Brasil", de 1980, também se depara com uma razoável descrição do trabalho de Hartt. Mas faltava uma obra que fosse mais fundo no tema.
Hartt deixou um legado de pesquisa que até hoje é lembrado. Mas sua passagem pelo país é fascinante também pelo que pode mostrar sobre uma época de grandes transformações na sociedade brasileira.
"Entre o início da Guerra do Paraguai, em 1865, e a ascensão do gabinete liberal do marquês de Sinimbu, em 1878, o Brasil passou por profundas transformações, que levariam à abolição da escravatura, à queda do Império, à maciça imigração de trabalhadores europeus para o país, à transformação do espaço urbano, à emergência de novos grupos na cena sociopolítico-cultural", escreve Freitas.
"Contar a história de Charles Frederick Hartt e das expedições americanas no Brasil durante aqueles anos, através da variada e encantadora iconografia produzida pelas expedições, constitui um modo de nos aproximarmos daquela cadeia de transformações", continua o autor.
A primeira viagem de Hartt foi como integrante da expedição Thayer, em 1865-1866, na qual foi assistente do famoso naturalista suíço naturalizado americano Jean Louis Rodolphe Agassiz (1807-1873). A expedição, assim como boa parte da carreira de Hartt no Brasil, foi patrocinada pelo imperador dom Pedro 2º.
Agassiz foi um dos grandes cientistas do século 19, apesar de não ter aceitado a teoria da evolução dos seres vivos proposta pelo britânico Charles Robert Darwin (1809-1882), que havia passado pelo Brasil anos antes durante uma clássica viagem de circunavegação a bordo de um veleiro de 1831 a 1836.
Hartt voltaria depois de modo independente, em 1867, mais duas vezes no curso das expedições Morgan, de 1870-1871, e por último para dirigir, a partir de 1875, a Comissão Geológica do Império. Ele morreria praticamente junto com a comissão, extinta em 1878 por injunções políticas. Hartt morre de febre amarela no Rio de Janeiro em 18 de março do mesmo ano.
Os trabalhos de Hartt têm importância não só para a institucionalização da ciência no Brasil, mas para a história geral da ciência, por exemplo pelo seu papel na controvérsia Agassiz-Darwin.
A passagem de Darwin pela América do Sul foi crucial para que ele desenvolvesse a teoria da evolução através da seleção natural. Ele ficou marcado principalmente pela fauna e flora do arquipélago equatoriano de Galápagos, pela riqueza da floresta tropical brasileira e pelos fósseis que encontrou na Argentina.
Agassiz, portanto, idealizou uma viagem em busca de evidências no mesmo continente que ajudassem a refutar o evolucionismo. Chegou a propor que teria havido uma glaciação nas áreas equatoriais da América do Sul, que depois foi refutada, entre outros, por Hartt -"com grande coragem intelectual, ele corrigiu seu erro", como lembra Freitas.
O livro é completado com um texto curto de Sergio Burgi, do Instituto Moreira Salles, sobre Marc Ferrez, que foi fotógrafo da Comissão Geológica do Império e cujas belíssimas fotos fazem parte das ilustrações deste livro.
Há também um texto de Vera Maria Fonseca, do Museu Nacional, sobre o legado de Hartt nessa instituição, onde estão hoje as coleções de fósseis coletados pela comissão durante as expedições.


Hartt: Expedições pelo Brasil Imperial, 1865-1878
    
Autor: Marcus Vinicius de Freitas
Editora: Metalivros
Quanto: R$ 90 (252 págs.)




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