São Paulo, terça-feira, 05 de janeiro de 2010

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Livro compila "argentinismos"

Feito sob cuidados do presidente da Academia Argentina de Letras, dicionário reúne 11 mil verbetes

Lançamento integra série de eventos que comemoram o bicentenário da revolução que abriu caminho para a independência argentina

DENISE MOTA
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA

Terror dos tradutores e tempero indispensável das conversas cotidianas no outro lado da fronteira, as gírias e expressões populares da Argentina passarão a engrossar as bibliotecas de Buenos Aires.
Estarão compiladas em volume com 11 mil verbetes, o "Diccionario del Habla de los Argentinos", a ser lançado em abril pela Academia Argentina de Letras e a editora Emecé.
O dicionário recupera maneiras de falar utilizadas no século 19 e já desaparecidas. E componentes do léxico vizinho nascidos há não mais de uma década que, por sua atualidade e recorrência, terminam por ajudar a compor um raio-x da oralidade argentina de hoje.
O volume resgata ainda expressões que se vinculam diretamente a períodos cruciais da história dos argentinos, caso de "cabecitas negras" -usada por Eva Perón para se referir afetivamente à massa trabalhadora.
Ou "la mano de Dios", imediatamente associada ao gol de mão que Maradona marcou contra a seleção inglesa em 1986, mas que tem origem bíblica e significados que transcendem o universo do futebol.
O lançamento do título é apenas um entre a série de eventos de ordem cultural que terão lugar no país vizinho por conta da comemoração do bicentenário da revolução que abriu caminho para a independência argentina, efeméride que se celebra em 25 de maio de 2010.

"Ser un churro"
"O dicionário é uma homenagem à criatividade do povo argentino no que diz respeito ao uso da língua comum, o espanhol. Prova que não temos sido maus administradores dessa fortuna: a aumentamos", diz Pedro Luis Barcia, presidente da Academia Argentina de Letras e mentor do volume.
Apesar de muitas expressões serem utilizadas também na Espanha, o dicionário foi pautado pela busca de conteúdo "contrastivo", como explica Barcia -ou seja, de termos que representassem significados propriamente argentinos ou, no máximo, compartilhados regionalmente, especialmente com o Uruguai e o Paraguai.
Assim, "ser un churro", que na Espanha corresponde a "ser uma casualidade", em todo o Rio da Prata significa "ser bonito, atraente".
"Há expressões que parecem de um portenhismo extremo, mas são usadas nos dois lados do Atlântico", aponta. "São os casos de "de mala leche" (pessoa ruim), "estar hecho puré" (estar esgotado ou triste), "ponerse las pilas" (animar-se a fazer algo) e "pasarla bomba" (divertir-se)."
Modismos, frases feitas e expressões idiomáticas se fazem acompanhar por indicações de sua função gramatical, do nível de uso (se são coloquiais, vulgares ou jargões), sua conotação (humorística, depreciativa etc.) e de comentários sobre as origens do termo, o contexto histórico em que surgiram e exemplos de uso.
A obra não contém provérbios, que serão tema, segundo conta o presidente da academia, de um volume a ser lançado futuramente.

"Ser un fanfurriña"
Outro critério utilizado por Barcia foi eternizar frases que tivessem um mínimo de longevidade definido em pelo menos cinco anos. "Os âmbitos com presença mais caudalosa de termos são o sexual, o esportivo, o rural e o de turfe."
De acordo com o autor, trata-se do primeiro dicionário exclusivamente fraseológico da fala argentina. Outros volumes latino-americanos de naturezas semelhantes existem no Uruguai, na Colômbia, em Honduras e na Nicarágua.
"Mas o nosso traz expressões muito antigas, do século 19, e que desapareceram, como "tomar un chino" (irritar-se) ou "ser un fanfurriña", oriunda do português do Brasil e que significa ser um covarde com pretensões de valente. Também apresenta termos bicentenários: "donde el diablo perdió el poncho" (algo como onde o diabo perdeu as botas), "andar de capa caída" (andar cabisbaixo), "armar quilombo" (armar confusão) e outros que são recentes, mas já saíram de uso."


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