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LIVRO LANÇAMENTOS
Para anistia não se transformar em amnésia
CYNARA MENEZES
especial para a Folha
Quantos brasileiros não sabem exatamente o que
aconteceu com
aqueles que estavam do lado oposto
ao dos militares que tomaram o
poder em 1964?
O livro "Nossa Paixão Era Inventar Um Novo Tempo", com
depoimentos organizados por
Daniel Souza e Gilmar Chaves,
conta algumas dessas histórias.
Chega atrasado: era para sair
justamente no 20º aniversário da
anistia, completados no ano passado. A editora atrasou o lançamento, mas a efeméride é o que
menos conta diante da pungência
de alguns dos 34 relatos.
Sobretudo quando falam em
primeira pessoa, como é a maioria. A começar pelo de Irles Carvalho, a mãe de Daniel de Souza,
que vem a ser filho de Herbert de
Souza, o Betinho.
Seu irmão, o cartunista Henfil,
de esquerda e hemofílico como
Betinho -ambos vitimados pela
Aids, ele em 88 e Betinho em 97-
, também tem depoimento no livro.
A história que Irles conta de sua
fuga com o filho, já separada de
Betinho, para o Chile socialista de
Salvador Allende, é tocante. Daniel, aos cinco anos, qual o menino Giosué do filme "A Vida É Bela", crê ter pela frente a estância de
uma tia em Buenos Aires, cavalos,
carne na brasa, sorvetes e o pai.
Não um exílio que duraria toda
sua infância, com passagens ainda pela Suécia e pela Inglaterra.
Aos 33, hoje, Daniel, que atua
como coordenador cultural no
movimento fundado pelo pai -a
Ação da Cidadania contra a Fome, Miséria e Pela Vida-, acha
que depoimentos como o da mãe
podem ajudar os jovens a ter uma
idéia do que se passou por aqui no
período militar.
"O drama pessoal vai aproximá-los mais do que o que contam
os livros de história", diz Daniel.
"Todo mundo sabe do golpe, da
tortura. Mas se o jovem vê que
pessoas com a idade dele estavam
encarando isso, é outra coisa."
Não se esperem, pois o livro não
traz, detalhes sobre o que se passou entre torturados e torturadores entre as quatro paredes de tantas obscuras siglas: DOPS, DOI-CODI, Cenimar. O ex-deputado
federal Modesto da Silveira revela
o porquê. "Como advogado, testemunha e vítima do processo,
poderia detalhar inúmeros casos
exemplares, mas dói!"
Mais que isso, o livro conta,
analisa e denuncia, como quando
fala dos marinheiros que se insubordinaram, até hoje não anistiados pelo governo brasileiro.
Não se ponderam opiniões: para uns a anistia foi boa, para outros nem tanto. E também em outros pontos. Se para o jornalista e
escritor Ricardo Cravo Albin as
palavras de ordem na recepção de
volta a Luiz Carlos Prestes eram
emocionantes, para o cineasta Zelito Viana pareciam tresloucadas
("De Norte a Sul, de Leste a Oeste,
o povo grita Luiz Carlos Prestes").
Engajado, mas, a seu modo,
plural como seus participantes
-feministas como Rose Marie
Muraro, políticos como Roberto
Freire, jornalistas como Arthur
José Poerner, parentes de desaparecidos, como Victoria Grabois-
, "Nossa Paixão..." tem uma tarefa
difícil no país do esquecimento:
ajudar a fazer com que a anistia
não se transforme em amnésia.
Livro: Nossa Paixão Era Inventar Um
Novo Tempo
Organizadores: Daniel Souza e Gilmar
Chaves
Editora: Rosa dos Tempos
Quanto: R$ 25 (192 págs.)
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