São Paulo, #!L#Sábado, 05 de Fevereiro de 2000


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LIVRO LANÇAMENTOS
Para anistia não se transformar em amnésia

CYNARA MENEZES
especial para a Folha


Quantos brasileiros não sabem exatamente o que aconteceu com aqueles que estavam do lado oposto ao dos militares que tomaram o poder em 1964?
O livro "Nossa Paixão Era Inventar Um Novo Tempo", com depoimentos organizados por Daniel Souza e Gilmar Chaves, conta algumas dessas histórias.
Chega atrasado: era para sair justamente no 20º aniversário da anistia, completados no ano passado. A editora atrasou o lançamento, mas a efeméride é o que menos conta diante da pungência de alguns dos 34 relatos.
Sobretudo quando falam em primeira pessoa, como é a maioria. A começar pelo de Irles Carvalho, a mãe de Daniel de Souza, que vem a ser filho de Herbert de Souza, o Betinho.
Seu irmão, o cartunista Henfil, de esquerda e hemofílico como Betinho -ambos vitimados pela Aids, ele em 88 e Betinho em 97- , também tem depoimento no livro.
A história que Irles conta de sua fuga com o filho, já separada de Betinho, para o Chile socialista de Salvador Allende, é tocante. Daniel, aos cinco anos, qual o menino Giosué do filme "A Vida É Bela", crê ter pela frente a estância de uma tia em Buenos Aires, cavalos, carne na brasa, sorvetes e o pai. Não um exílio que duraria toda sua infância, com passagens ainda pela Suécia e pela Inglaterra.
Aos 33, hoje, Daniel, que atua como coordenador cultural no movimento fundado pelo pai -a Ação da Cidadania contra a Fome, Miséria e Pela Vida-, acha que depoimentos como o da mãe podem ajudar os jovens a ter uma idéia do que se passou por aqui no período militar.
"O drama pessoal vai aproximá-los mais do que o que contam os livros de história", diz Daniel. "Todo mundo sabe do golpe, da tortura. Mas se o jovem vê que pessoas com a idade dele estavam encarando isso, é outra coisa."
Não se esperem, pois o livro não traz, detalhes sobre o que se passou entre torturados e torturadores entre as quatro paredes de tantas obscuras siglas: DOPS, DOI-CODI, Cenimar. O ex-deputado federal Modesto da Silveira revela o porquê. "Como advogado, testemunha e vítima do processo, poderia detalhar inúmeros casos exemplares, mas dói!"
Mais que isso, o livro conta, analisa e denuncia, como quando fala dos marinheiros que se insubordinaram, até hoje não anistiados pelo governo brasileiro.
Não se ponderam opiniões: para uns a anistia foi boa, para outros nem tanto. E também em outros pontos. Se para o jornalista e escritor Ricardo Cravo Albin as palavras de ordem na recepção de volta a Luiz Carlos Prestes eram emocionantes, para o cineasta Zelito Viana pareciam tresloucadas ("De Norte a Sul, de Leste a Oeste, o povo grita Luiz Carlos Prestes").
Engajado, mas, a seu modo, plural como seus participantes -feministas como Rose Marie Muraro, políticos como Roberto Freire, jornalistas como Arthur José Poerner, parentes de desaparecidos, como Victoria Grabois- , "Nossa Paixão..." tem uma tarefa difícil no país do esquecimento: ajudar a fazer com que a anistia não se transforme em amnésia.


Livro: Nossa Paixão Era Inventar Um Novo Tempo Organizadores: Daniel Souza e Gilmar Chaves Editora: Rosa dos Tempos Quanto: R$ 25 (192 págs.)

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