São Paulo, domingo, 05 de fevereiro de 2006

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Cultura fatura com a venda de produtos do "Cocoricó", fenômeno entre o público infantil

Galinha dos ovos de ouro

Lalo de Almeida/Folha Imagem
O garoto Júlio e Fernando Gomes, manipulador do boneco e diretor do "Cocoricó", durante gravação do programa


LAURA MATTOS
DA REPORTAGEM LOCAL

Depois das loiras, quem canta de galo com a criançada é Júlio, um garoto de seis anos que mora na fazenda e é amigo de galinhas. Ele é protagonista do programa "Cocoricó", da TV Cultura, fenômeno entre o público infantil.
A série com bonecos completa uma década neste ano, mas o "boom" do sucesso é recente, resultado de uma reformulação no formato iniciada em 2003 e do lançamento de DVDs com histórias e clipes musicais -11 títulos em menos de dois anos. Em 2005, o "Cocoricó" atingiu o topo da lista dos DVDs televisivos mais vendidos (dados da empresa de licenciamento Log On fornecidos pela Cultura). Foram 216 mil cópias, acima de "hits" enlatados, como o desenho "Bob Esponja" (183 mil) e a série "Friends" (165 mil).
Sem investimento em divulgação, "Cocoricó" se disseminou entre os pais pelo boca-a-boca. Ganhou comunidades de fãs na internet e virou tema de festa infantil, ao lado de personagens da Disney e do canal pago Cartoon.
Internautas com filhos de até quatro anos, o público-alvo do programa, contam que "Cocó" foi a primeira palavra pronunciada por seus bebês (depois de papai e mamãe, claro!). E que os DVDs viraram ferramenta para segurar as crianças, especialmente na hora de comer. "Meu filho de dois anos, o Matheus, só fica quieto se colocamos o DVD do "Cocoricó". Quando desligamos, ele reclama e temos de dizer que o Júlio foi nanar", conta à Folha o biomédico Jaime Ferreira Neto, 44, para quem o programa "é educativo e melhor que os outros infantis".
Para a Cultura, as galinhas Lôla, Lilica e Zazá, personagens da série, botam ovos de ouro. No ano passado, os produtos licenciados do "Cocoricó" renderam R$ 1 milhão, o que representa 70% do faturamento com licenciamento na emissora (mantida majoritariamente por verba do governo paulista). São artigos para festa, linha de higiene pessoal, jogos e bonecos, entre outros. E logo as lojas terão roupas, lençóis, toalhas de banho, sucos, CDs e novos DVDs.
Animada, a Cultura negocia a criação do parque temático Cocoricó no Playcenter, elabora sua versão em desenho animado e planeja um longa-metragem, revela Marcos Mendonça, presidente da Fundação Padre Anchieta (que administra a Cultura). "O "Cocoricó se transformou em um "case" [jargão publicitário para histórias de sucesso]", afirma.
Além de dinheiro, a turma da fazenda traz prestígio à rede. Em 2004, "Cocoricó" foi a melhor série num festival infantil da Venezuela, e em 2003, premiada no Chile na competição Prix Jeunesse Iberoamericana, uma das mais respeitadas na área de TV para criança. São troféus que valem ouro nessa fase em que a Cultura é criticada por popularizar parte da programação, especialmente com a estréia de "Silvia Poppovic".
O ibope do "Cocoricó" está longe dos áureos tempos do "Castelo Rá-Tim-Bum", mas é um dos maiores do canal. Na semana retrasada, marcou 3,4 pontos na edição vespertina e chegou a cinco no dia 27. No mesmo período, o "Bom Dia & Cia" (só desenhos apresentados por crianças), do SBT, teve 8,7 e "Xuxa", na Globo, dez (cada ponto equivale a 52,3 mil domicílios na Grande SP).
Esses dois e o "Sítio do Picapau Amarelo" (Globo) são, aliás, os únicos concorrentes do "Cocó", já que a TV aberta decidiu não mais investir em programas infantis.

Cotidiano infantil
A alavancada do "Cocoricó" tem base em uma produção bem cuidada -a custo de R$ 45 mil por episódio. Os bonecos, que antes ficavam atrás de um balcão, agora aparecem de corpo inteiro, andam, correm e dançam, o que exige uma técnica apurada de manipulação. A equipe se tornou audaciosa na elaboração dos clipes (que já geraram dois DVDs).
Um exemplo é "Iara", no qual a galinha fantasiada de sereia deveria aparecer dentro d'água. Em vez de optar por filmar um aquário com o boneco atrás, o que seria mais óbvio e barato, os produtores decidiram mergulhar literalmente. Colocaram o boneco, o manipulador e o cameraman dentro da piscina de uma escola de mergulho. Ficou ótimo.
Por trás do "Cocó" está Fernando Gomes, 45, diretor do programa e profissional da Cultura há 20 anos (participou do "Bambalalão", "Rá-Tim-Bum", "Castelo" e dirigiu o "Ilha"). Ele criou a maioria dos personagens, confecciona os bonecos de espuma, manipula o Júlio e faz sua voz, conhecida pelo bordão "puxa, puxa, que puxa!". O foco do programa são os assuntos do cotidiano das crianças (escola, amizade, boas maneiras, brincadeiras etc). Mas não deixa de explorar temas que costumam ficar fora dos infantis.
É famoso entre os fãs o episódio da "História do Cocô" e o clipe em que um "cocô" canta ("Eu sou cocô, eu nasci assim... Eu existo porque vocês são bichos que gostam de comer..."). "Para os adultos, esse assunto é um tabu, mas nas crianças exerce uma certa atração", analisa Gomes.
O "Cocó" já falou da morte, num episódio em que o cachorro do Júlio morre e é enterrado pela turma. "Eles ficaram tristes, mas depois superaram a perda."
Outro ponto forte são as músicas, criadas pelo compositor Hélio Ziskind, 50 (fundador do grupo Rumo e ganhador de prêmios Sharp por canções infantis). Algumas letras são longas e complexas. "As músicas não são simples, têm muitas assimetrias e, mesmo assim, vejo crianças de dois anos que já conseguem cantar. A complexidade é construtiva para o universo infantil", diz Ziskind.
Outro diferencial: a trilha sonora não idolatra os próprios personagens. "Não há música para dizer que o Júlio é legal, que a Lilica é engraçada." Bem diferente da turma da Xuxa, aquela que ia "arrepiar e estourar a boca do balão".

FOLHA ONLINE
OUÇA A ÍNTEGRA DA ENTREVISTA, COM A VOZ DO PERSONAGEM JÚLIO, DO PROGRAMA "COCORICÓ"


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