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Crítica/"O que Resta do Tempo"
Suleiman trata a história como enigma
INÁCIO ARAUJO
CRÍTICO DA FOLHA
As primeiras cenas são as
que melhor definem "O
que Resta do Tempo":
alguém pega um táxi num aeroporto israelense. O chofer, um
tanto mal-humorado, reclama
da vida e tudo mais. Ele não
imagina o quanto as coisas podem ser piores. O que fica evidente quando começa uma
chuva torrencial. Ele não vê
nem cinco metros adiante. Acaba parando o carro e perguntando: "Onde eu estou?".
A pergunta tem peso simbólico e vale para israelenses e palestinos: onde estou? É a primeira questão que mobiliza o
filme de Elia Suleiman, palestino nascido em Nazaré, Israel.
No filme, a cidade tem papel
central. É lá que seu pai enfrentará por anos os israelenses e
que crescerá Elia. O caráter autobiográfico é tão claro quanto
o absurdo da situação vivida
pelos povos do Oriente Médio,
em particular os palestinos.
Suleiman é um homem da
diáspora e convidado a deixar o
país ainda muito jovem.
Nessa altura, já podemos
identificar alguns aspectos
abordados pelo filme: identidade nacional, luta contra a dominação israelense, perplexidade.
Há vários filmes dentro de um
só, o que às vezes parece uma
virtude, às vezes um problema.
E por que essa sensação dúbia?
Talvez porque um desses aspectos (a disputa palestino-israelense) diga respeito a um
território e a um momento precisos, enquanto a perplexidade
em face do mundo remete a
uma questão mais ampla.
Há vezes em que o filme evoca Beckett no Oriente Médio.
Outros em que o aspecto histórico (o tempo) se sobrepõe ou
que a opressão aos palestinos (o
aspecto político) dá o tom.
Talvez o momento mais interessante do filme seja aquele
em que um homem, abismado,
se vê diante do muro construído que separa israelenses e palestinos. Como a pensar: antes
a inimizade do que a separação
absoluta. Será isso que significa
também o olhar da mãe para a
cidade onde viveu desde a juventude? Esses momentos em
que Suleiman se abre para a vida e a história como enigmas
são, possivelmente, o mais interessante de seu belo filme.
O QUE RESTA DO TEMPO
Direção: Elia Suleiman
Produção: Palestina/França, 2009
Onde: estreia no Cine UOL Lumière, Reserva Cultural e circuito
Classificação: 14 anos
Avaliação: bom
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