São Paulo, sexta-feira, 05 de fevereiro de 2010

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Crítica/"O que Resta do Tempo"

Suleiman trata a história como enigma

INÁCIO ARAUJO
CRÍTICO DA FOLHA

As primeiras cenas são as que melhor definem "O que Resta do Tempo": alguém pega um táxi num aeroporto israelense. O chofer, um tanto mal-humorado, reclama da vida e tudo mais. Ele não imagina o quanto as coisas podem ser piores. O que fica evidente quando começa uma chuva torrencial. Ele não vê nem cinco metros adiante. Acaba parando o carro e perguntando: "Onde eu estou?".
A pergunta tem peso simbólico e vale para israelenses e palestinos: onde estou? É a primeira questão que mobiliza o filme de Elia Suleiman, palestino nascido em Nazaré, Israel.
No filme, a cidade tem papel central. É lá que seu pai enfrentará por anos os israelenses e que crescerá Elia. O caráter autobiográfico é tão claro quanto o absurdo da situação vivida pelos povos do Oriente Médio, em particular os palestinos.
Suleiman é um homem da diáspora e convidado a deixar o país ainda muito jovem.
Nessa altura, já podemos identificar alguns aspectos abordados pelo filme: identidade nacional, luta contra a dominação israelense, perplexidade. Há vários filmes dentro de um só, o que às vezes parece uma virtude, às vezes um problema. E por que essa sensação dúbia?
Talvez porque um desses aspectos (a disputa palestino-israelense) diga respeito a um território e a um momento precisos, enquanto a perplexidade em face do mundo remete a uma questão mais ampla.
Há vezes em que o filme evoca Beckett no Oriente Médio. Outros em que o aspecto histórico (o tempo) se sobrepõe ou que a opressão aos palestinos (o aspecto político) dá o tom.
Talvez o momento mais interessante do filme seja aquele em que um homem, abismado, se vê diante do muro construído que separa israelenses e palestinos. Como a pensar: antes a inimizade do que a separação absoluta. Será isso que significa também o olhar da mãe para a cidade onde viveu desde a juventude? Esses momentos em que Suleiman se abre para a vida e a história como enigmas são, possivelmente, o mais interessante de seu belo filme.


O QUE RESTA DO TEMPO

Direção: Elia Suleiman
Produção: Palestina/França, 2009
Onde: estreia no Cine UOL Lumière, Reserva Cultural e circuito
Classificação: 14 anos
Avaliação: bom




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