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"A mistura de tango e eletrônica virou gênero"
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA
Surgido no cenário musical
dos anos 90 como um artista de
hip hop instrumental, combustível de sua efêmera banda Plátano Macho, Luciano Supervielle, 30, conjuga o tango e a eletrônica com projetos pessoais
em que procura manter viva
sua necessidade de "reinvenção". Dois anos após o trabalho
com o Bajofondo, lançou-se em
um projeto solo, "Supervielle",
igualmente produzido pela dupla Santaolalla-Campodónico e
no qual apresentou sonoridades como a "milonga hip hop".
Depois de uma tarde de ensaios e prestes a embarcar para
Córdoba, na Argentina, onde se
apresentaria com seus pick-ups, o músico franco-uruguaio
-também tecladista de Jorge
Drexler- conversou com a Folha, em Montevidéu.
(DENISE MOTA).
FOLHA - Em várias ocasiões, você
disse que o Bajofondo lhe permitiu
"ser quem é". Por quê?
LUCIANO SUPERVIELLE - Em 2000,
havia voltado a Paris para estudar, trabalhar e também porque tenho grande parte da família da minha mãe lá. Quando me meti na cena musical francesa, ia mostrando as coisas
que fazia e não identificavam
de onde eu vinha. Fazia hip hop
instrumental, e as pessoas não
distinguiam se eu era inglês ou
outra coisa. Com o Bajofondo,
ao começar a utilizar elementos da cultura platina, pude falar de coisas que vivi aqui, realidades da minha infância no
Uruguai e que, sem deixar de
fazer música com computadores, me diferenciaram.
FOLHA - O projeto do coletivo que
se seguiu a "Bajofondo Tango Club"
foi seu primeiro disco solo. De que
forma você tentou imprimir um tom
autoral sem deixar de seguir a sonoridade do Bajofondo?
SUPERVIELLE - O processo de
criação do Bajofondo tem premissas predeterminadas, e
uma delas sempre foi buscar
elementos que se aproximassem da identidade uruguaia e
argentina. O primeiro CD foi
muito calcado no tango. Era um
momento em que não existiam
precedentes nessa mistura de
tango com eletrônica e que depois acabou se transformando
em um gênero. Quando saiu o
Gotan Project, por exemplo, já
estávamos trabalhando. Meu
disco foi a minha maneira de
continuar me reinventando e
nele ampliei a palheta de elementos de trabalho incluindo
candombe, milonga. No Bajofondo, o tango continua presente, mas o leque também está
se ampliando com visitas ao
punk rock, ao folclore.
FOLHA - Há espaço para surgir um
candombe ou um folclore rio-platense eletrônicos, a exemplo do que
aconteceu com o tango?
SUPERVIELLE - O êxito da conjunção do tango com a eletrônica
se deveu muito ao fato de esse
ser o gênero do Rio da Prata
que mais transitou pelo mundo. Nós não estamos fazendo
um novo tango. Há gente, sim,
que está criando novas composições para essa expressão musical que continua viva depois
de mais de cem anos de tradição. No mundo do folclore, estão surgindo um milhão de gente e coisas novas. O tango é a
música com que mais nos identificam ao redor do mundo,
mas há outras novidades aparecendo dentro mesmo dos vários gêneros de música daqui.
FOLHA - Quais as diferenças fundamentais entre "Mar Dulce" e "Bajofondo Tango Club"?
SUPERVIELLE - Agora somos uma
banda, algo que não éramos no
primeiro CD. Desta vez, compusemos juntos, com cada um
dando sua colaboração para a
criação de sonoridades diferentes. Ampliamos a gama de possibilidades. O primeiro disco se
compunha de tango e experiências eletrônicas. Em "Mar Dulce" isso explodiu, abriu-se a visitarmos muitos estilos. Custa
muito para nós definir o que fazemos. Poderia dizer que se
trata da música que representa
nossa cultura neste momento
-Jimi Hendrix, Beastie Boys,
Piazzolla, o folclore rio-platense estão nas composições.
Computadores são uma ferramenta a mais, funcionam como
qualquer outro instrumento na
banda. A música que fazemos
identifica o tempo e o espaço
em que vivemos.
FOLHA - Com que objetivos e critérios foram convidados intérpretes
como Nelly Furtado?
SUPERVIELLE - A escolha é conseqüência da depuração de idéias
que tivemos e das quais foram
escolhidas as que mais "arredondavam" determinada faixa.
Lágrima Rios [1924-2006] representa o universo do tango
negro e foi uma honra a oportunidade de tê-la [chamada de "a
pérola negra do tango", a cantora morreu em dezembro e tem
na música "Chiquilines" (Garotos), de "Mar Dulce", sua última gravação]; Gustavo Cerati é
um ícone do rock argentino; a
faixa que canta Nelly Furtado
tem letra de Juan Casanova,
um nome do punk rock uruguaio. Gustavo [Santaolalla] a
convidou porque queríamos
retratar a obscuridade dos anos
80 com a elegância e a sofisticação de Nelly. Todas as canções
são idéias reinterpretadas por
cada um e todos do grupo.
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