São Paulo, segunda-feira, 05 de março de 2007

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

"A mistura de tango e eletrônica virou gênero"

COLABORAÇÃO PARA A FOLHA

Surgido no cenário musical dos anos 90 como um artista de hip hop instrumental, combustível de sua efêmera banda Plátano Macho, Luciano Supervielle, 30, conjuga o tango e a eletrônica com projetos pessoais em que procura manter viva sua necessidade de "reinvenção". Dois anos após o trabalho com o Bajofondo, lançou-se em um projeto solo, "Supervielle", igualmente produzido pela dupla Santaolalla-Campodónico e no qual apresentou sonoridades como a "milonga hip hop". Depois de uma tarde de ensaios e prestes a embarcar para Córdoba, na Argentina, onde se apresentaria com seus pick-ups, o músico franco-uruguaio -também tecladista de Jorge Drexler- conversou com a Folha, em Montevidéu. (DENISE MOTA).  

FOLHA - Em várias ocasiões, você disse que o Bajofondo lhe permitiu "ser quem é". Por quê?
LUCIANO SUPERVIELLE
- Em 2000, havia voltado a Paris para estudar, trabalhar e também porque tenho grande parte da família da minha mãe lá. Quando me meti na cena musical francesa, ia mostrando as coisas que fazia e não identificavam de onde eu vinha. Fazia hip hop instrumental, e as pessoas não distinguiam se eu era inglês ou outra coisa. Com o Bajofondo, ao começar a utilizar elementos da cultura platina, pude falar de coisas que vivi aqui, realidades da minha infância no Uruguai e que, sem deixar de fazer música com computadores, me diferenciaram.

FOLHA - O projeto do coletivo que se seguiu a "Bajofondo Tango Club" foi seu primeiro disco solo. De que forma você tentou imprimir um tom autoral sem deixar de seguir a sonoridade do Bajofondo?
SUPERVIELLE
- O processo de criação do Bajofondo tem premissas predeterminadas, e uma delas sempre foi buscar elementos que se aproximassem da identidade uruguaia e argentina. O primeiro CD foi muito calcado no tango. Era um momento em que não existiam precedentes nessa mistura de tango com eletrônica e que depois acabou se transformando em um gênero. Quando saiu o Gotan Project, por exemplo, já estávamos trabalhando. Meu disco foi a minha maneira de continuar me reinventando e nele ampliei a palheta de elementos de trabalho incluindo candombe, milonga. No Bajofondo, o tango continua presente, mas o leque também está se ampliando com visitas ao punk rock, ao folclore.

FOLHA - Há espaço para surgir um candombe ou um folclore rio-platense eletrônicos, a exemplo do que aconteceu com o tango?
SUPERVIELLE
- O êxito da conjunção do tango com a eletrônica se deveu muito ao fato de esse ser o gênero do Rio da Prata que mais transitou pelo mundo. Nós não estamos fazendo um novo tango. Há gente, sim, que está criando novas composições para essa expressão musical que continua viva depois de mais de cem anos de tradição. No mundo do folclore, estão surgindo um milhão de gente e coisas novas. O tango é a música com que mais nos identificam ao redor do mundo, mas há outras novidades aparecendo dentro mesmo dos vários gêneros de música daqui.

FOLHA - Quais as diferenças fundamentais entre "Mar Dulce" e "Bajofondo Tango Club"?
SUPERVIELLE
- Agora somos uma banda, algo que não éramos no primeiro CD. Desta vez, compusemos juntos, com cada um dando sua colaboração para a criação de sonoridades diferentes. Ampliamos a gama de possibilidades. O primeiro disco se compunha de tango e experiências eletrônicas. Em "Mar Dulce" isso explodiu, abriu-se a visitarmos muitos estilos. Custa muito para nós definir o que fazemos. Poderia dizer que se trata da música que representa nossa cultura neste momento -Jimi Hendrix, Beastie Boys, Piazzolla, o folclore rio-platense estão nas composições. Computadores são uma ferramenta a mais, funcionam como qualquer outro instrumento na banda. A música que fazemos identifica o tempo e o espaço em que vivemos.

FOLHA - Com que objetivos e critérios foram convidados intérpretes como Nelly Furtado?
SUPERVIELLE
- A escolha é conseqüência da depuração de idéias que tivemos e das quais foram escolhidas as que mais "arredondavam" determinada faixa. Lágrima Rios [1924-2006] representa o universo do tango negro e foi uma honra a oportunidade de tê-la [chamada de "a pérola negra do tango", a cantora morreu em dezembro e tem na música "Chiquilines" (Garotos), de "Mar Dulce", sua última gravação]; Gustavo Cerati é um ícone do rock argentino; a faixa que canta Nelly Furtado tem letra de Juan Casanova, um nome do punk rock uruguaio. Gustavo [Santaolalla] a convidou porque queríamos retratar a obscuridade dos anos 80 com a elegância e a sofisticação de Nelly. Todas as canções são idéias reinterpretadas por cada um e todos do grupo.


Texto Anterior: Bajofondo amplia suas sonoridades em novo CD
Próximo Texto: Público enfrenta fila para visitar mostra sobre o corpo humano na Oca
Índice



Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.