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MARCELO COELHO
Amarga descoberta científica
Nenhuma vulgar sacarina poderia ser capaz de transformar o seu destino de gordo
BEM QUE eu desconfiava. Passei
anos consumindo chicletes
sem açúcar e refrigerantes
light, sem que a balança registrasse
qualquer esperança de emagrecimento.
Pesquisadores de uma universidade americana, segundo li recentemente, chegaram a uma excelente
explicação para esse frustrante fenômeno doméstico.
O sabor doce da sacarina envia sinais ao cérebro, preparando o organismo para a ingestão de muitas calorias. As calorias não chegam; o cérebro se desregula, entra em pânico,
exige o que lhe foi prometido.
Como resultado, o organismo
consome mais comida, salgada, doce, amarga ou azeda, pouco importa.
Ou queima menos calorias. E o indivíduo que ingere sacarina termina
tão ou mais gordo do que antes.
A experiência foi com ratos de laboratório. Tudo bem, posso não ser
um rato. Mas em matéria de chocolates, tortas ou sorvetes, desconfio
que minha voracidade cerebral pode
muito bem ser comparada à de um
roedor médio norte-americano.
A pesquisa haverá de trazer conseqüências terríveis. Nem falo das fábricas de adoçante. Penso no que
pode acontecer se a descoberta for
aplicada de outros modos.
Suponha, por exemplo, que em
vez de provar um gole de guaraná
diet, você esteja simplesmente vendo, na mesa ao lado do restaurante,
um felizardo refestelar-se num caldeirão de fondue de chocolate.
Seu cérebro, como o de um camundongo, desejará mergulhar na
calda derretida; o mero desejo será
suficiente para que o seu organismo
extraia, de meia bolacha de trigo integral, calorias suficientes para explodir os botões, que mal e mal se fecham, da camisa que você ganhou
no mês passado.
Conclusão inevitável: assim como
há fumantes passivos, há gordos
passivos. Hesito em me incluir tão
depressa nessa categoria, mas lanço
a advertência.
Logo será necessário reservar alas
especiais nos restaurantes para os
que comem chocolate; um biombo,
decorado com hortaliças, evitará a
emissão de mensagens indevidas ao
cérebro dos tristes obesos presentes
no local.
Anuncia-se uma mudança de paradigma científico. No futuro, haverá mais remédios para o cérebro, e
menos para o resto do corpo. E, menos do que regular nosso metabolismo, talvez a preocupação passe a ser,
de agora em diante, controlar nosso
desejo.
Todo sujeito que luta contra a própria obesidade sempre soube disso,
aliás. O problema está nele mesmo.
Nenhuma vulgar sacarina poderia
ser a poção miraculosa capaz de
transformar o seu destino de gordo.
Aquelas pérolas turvas, contadas
com atenção, nunca substituíram o
prazer de um doce; são na verdade
um luxo suplementar, que em geral
se economiza ("só duas gotas, obrigado"). Não se contam as calorias,
contam-se as gotinhas.
Talvez os neurocientistas tenham
de pesquisar também o efeito calmante, hipotensivo, antiansiógeno
da sacarina. A insatisfação cerebral
do rato alimentado com esse produto teria de ser comparada à angústia
do humano que abandonou, para
sempre, a ilusão de um emagrecimento à base de adoçantes.
Curiosamente, a pesquisa confirma uma hipótese, à primeira vista
alucinada, que li no livro "Mais Sexo
É Sexo Mais Seguro" (editora Campus). O autor, Steven Landsburg, é
um daqueles teóricos da "freakonomics" que se dedicam a aplicar as
leis do mercado aos pequenos problemas do cotidiano.
É tão liberalofrênico que considera um absurdo as pessoas fazerem fila para tomar água num bebedouro
público; num mundo racional, argumenta, furar filas faria muito mais
sentido.
Landsburg arrisca a teoria de que
a obesidade aumentou nos Estados
Unidos porque mais pessoas consomem produtos light e remédios contra colesterol. Acham que estão cuidando da saúde, e terminam pesando 200 quilos.
E o McDonald's? É uma das explicações habituais para a engorda
geral, que Landsburg descarta. "O
McDonald's decidiu, por capricho,
tornar todos mais gordos? Ou suas
pesquisas de mercado revelaram
que clientes maiores passaram a exigir porções maiores? Aposto na segunda hipótese; afinal, o McDonald's era tão ganancioso em 1970
quanto hoje."
O raciocínio é difícil de engolir,
porque ignora um processo básico
do mercado: o da livre concorrência,
capaz de estimular que várias redes
de lanchonetes entrem em competição no quesito calorias por centavo
de dólar. Mas isso é assunto para
outro dia; artigos, como hambúrgueres, fazem mal no modelo
"supersized".
coelhofsp@uol.com.br
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