São Paulo, segunda-feira, 05 de abril de 2004

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Aos 62 anos, artista rejuvenesce ao oficializar parceria com o grupo pop Pedro Luís e A Parede

Emparedando NEY

Felipe Varanda/Folha Imagem
O cantor Ney Matogrosso, 62, posa contra a parede do estúdio carioca em que ensaia para os shows que fará com o grupo de seu discípulo Pedro Luís, 43


PEDRO ALEXANDRE SANCHES
ENVIADO ESPECIAL AO RIO

Se a barca grande ameaça afundar, a hora é de união. Ney Matogrosso, 62, desce um degrau na escada das gerações e topa dividir seus vocais preciosistas com a garganta mais displicente de Pedro Luís, 43. "Vagabundo" surge como disco e futuro show em que o ex-líder dos Secos & Molhados se vê emparedado pelo cimento sonoro do comboio Pedro Luís e A Parede.
Líderes da ex-poderosa indústria fonográfica, a Universal e a Som Livre (da Globo) também se unem, para divulgar e distribuir o disco. A debochada faixa de abertura, "A Ordem É Samba", já foi incorporada à trilha da novela global "Celebridade".
As barreiras geracionais caem, à moda do que aconteceu há pouco no encontro entre Fagner e Zeca Baleiro, e fazem Ney se empolgar: "Isso que está acontecendo vai ser bom, sim, para eles. E vai ser bom, sim, para mim".
"É sangue novo, é um estímulo para mim. O som deles é barra-pesada, é pau dentro. Mas vou lá, acha que titio perdeu?", completa, sob gargalhadas da Parede.
Pedro Luís, fã de Secos & Molhados quando criança, transpira certa dose de receio por baixo do entusiasmo: "É um desafio estar com uma figura tão querida e expressiva, cantar com um dos grandes intérpretes da MPB, ver como é que a gente vai adaptar a voz dele à nossa favela".
Ney aborda o encontro-choque entre as duas vozes: "Nem sabíamos se dariam certo juntas. Mas deu, elas timbraram. A gente funciona bem junto".
E entrega disparidades: "Pedro diz que as pessoas fazem restrições à sua voz, mas acho que cantar bem não é o mais importante. O importante é ter estilo, senão você passa despercebido".
Se Ney traz bel-canto e disciplina à Parede, há também a contracorrente. Predominam no CD canções semi-inéditas de artistas do subterrâneo musical do Rio (Antônio Saraiva, Fred Martins, Suely Mesquita, Cabelo) e de São Paulo (Itamar Assumpção, Alzira Espíndola, André Abujamra).
A Parede contesta: "Para nós isso não é underground, é o nosso "ground'". Celso Alvim, percussionista da Parede, completa, entre o submerso e o emergente: "Essa é a nossa galera, a galera que convive com a gente".
Ney se assanha, do alto de seu currículo de releituras de Villa-Lobos, Cartola e Tom Jobim: "Eu sou underground, sim. Nunca deixei de ser. Sou aquele mesmo hippie dos anos 60, que apenas hoje tem bens e dinheiro. Quero morrer com 100 anos, livre".
Chuta o bom-mocismo ao comentar o fato de ser dos poucos veteranos da MPB que têm por hábito desbravar repertório de autores menos conhecidos.
"As pessoas só querem cantar os medalhões, é o que move essa mediocridade do nosso meio musical. Os intérpretes só querem Chico, Caetano", mira. "Ou então o que está na moda agora", engaja-se C.A. Ferrari, da Parede.
Não é que a tradição esteja ausente do encontro. "A Ordem É Samba" (63) é um original do rei do coco, Jackson do Pandeiro. "Foi feita como uma crítica ao samba, "se é samba que eles querem, eu faço'", define Ney.
"Disritmia" (73), de Martinho da Vila, evoca o repertório pós-batucada do Monobloco (grupo paralelo da Parede), mas entrou por sugestão de Ney.
E não fica de fora o imaginário "glam rock", do desbunde pós-tropicália. Dos Secos & Molhados, entra "Assim Assado" (73); do Ney antigo, "Napoleão" (80).
Para batizar o CD, ficaram entre os títulos de duas canções contemporâneas, "Vagabundo" e "Jesus". "Outro dia tive que explicar para uma pessoa o tema de "Jesus", ela foi ficando constrangida. Mas não é deboche. "Vamos tirar Jesus da cruz" é um ideal meu. Ele não precisa estar sempre na cruz, isso é mórbido", explica Ney, avesso às paixões de Cristo.
"Já quis cantar essa música antes, mas na época não segurei", ele conta. "Agora ele tem a Parede para protegê-lo", brinca Pedro. Tem, mas preferiu "Vagabundo" para título. "Apesar de que vagabundo é tudo que não somos. É uma provocação", termina Ney.


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