|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
Para Arrigucci, cronista foi um "fino observador"
De acordo com o crítico, crônicas revelam o itinerário de Bandeira como poeta
Bandeira levou linguagem do "humilde cotidiano" para as crônicas, reflexo, para Arrigucci, da convivência com mundo da rua no Rio
EDUARDO SIMÕES
DA REPORTAGEM LOCAL
Estudioso desde o início dos
anos 60 da vida e obra de Manuel Bandeira, sobre quem já
escreveu, entre outros, o ensaio
"Humildade, Paixão e Morte"
(Companhia das Letras, 1999),
o crítico literário Davi Arrigucci Jr. ressalta que, em "Crônicas Inéditas I", os textos escritos a partir de 1928 deixam de
ser mera notação dos acontecimentos musicais e outros eventos, "quase colunismo social", e
se tornam mais opinativos.
"Ele entra, a partir daí, em
observações muito finas sobre
o ambiente cultural, o comportamento das pessoas, o sentido
da vida brasileira, as repercussões da vida política no cotidiano, o que interessa em matéria
de arte", diz Arrigucci. "Aparece aí uma pessoa moral que está
discutindo o Brasil, as artes,
que tem idéia do país que ele
quer, do Rio de Janeiro."
Arrigucci cita como exemplo
da "observação fina" de Bandeira a crônica "Os Arranha-Céus no Rio Não Fazem Nenhuma Figura" ("A Província",
1928), em que o escritor aponta
como prédios altos recém-construídos se abatem diante
da grandeza da natureza do Rio,
diferentemente do que acontece em cidades como Nova York.
"E isso não é meramente observação de arquiteto, é mais
profunda. Um tipo de comentário que só foi feito na década de
40 pelos franceses, como Lévi-Strauss, Roger Bastide etc., observações da sociologia urbana
que dependeram de anos de estudo", diz Arrigucci.
O crítico também salienta
como as crônicas de Bandeira,
inclusive as feitas para a imprensa, eram uma espécie de
mapa da mina de seu itinerário
como poeta, em que ele contava
sua relação com os românticos
e simbolistas. E tirou ainda regras e conclusões importantíssimas para a própria poesia.
"Nelas aparecem todas as leituras, sua formação, tudo que
ele aprendeu de literatura portuguesa e francesa, de teatro,
longos comentários sobre teatro, sobre Nelson Rodrigues,
Guimarães Rosa etc.", diz Arrigucci. "São coisas fundamentais para entender seu itinerário como poeta. Além de valerem por si, eram indício do caminho do poeta."
Humilde cotidiano
Arrigucci também confronta
a crônica e a lírica de Bandeira,
determinando suas aproximações. Com formação inicial no
simbolismo e parnasianismo, o
poeta teve origem abastada em
Recife. Mas, empobrecido, precisou do dinheiro das crônicas
feitas para a imprensa para sobreviver, refletindo na sua produção a experiência com a morte -adolescente, sobreviveu a
uma tuberculose- e a convivência com o mundo da rua e da
boêmia no Rio de Janeiro.
"Ele é a primeira figura que
leva, no modernismo, a poesia
para o rés-do-chão, numa expressão que [o crítico] Antonio
Candido deixou famosa. Ou seja, para perto do chão. Eu tratei
disso nos termos de um estilo
humilde. Pensando que humilde quer dizer aquilo que está
perto do humus, do chão", diz.
Ainda segundo Arrigucci, um
dos traços fundamentais da
crônica bandeiriana é a naturalidade da linguagem, adaptada
ao que o próprio escritor chamou de "humilde cotidiano".
"É toda uma atitude diante
da vida, da arte, da linguagem,
que é importantíssimo a gente
entender. E um dos grandes
efeitos que ele obtém, tanto na
prosa quanto na poesia, é um
ajuste da linguagem às necessidades de expressão de um
mundo novo e de um modo novo de olhar a realidade e a própria arte verbal."
Texto Anterior: No Rio, livro ganha mostra e leitura Próximo Texto: Frase Índice
|