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Livros - Crítica/"Mamãe e o Sentido da Vida"
Yalom transforma psicoterapia em literatura de entretenimento
Autor lança "Mamãe e o Sentido da Vida", que une ficção e sua experiência de consultório
ALCIR PÉCORA
ESPECIAL PARA A FOLHA
Os livros do psiquiatra
Irvin Yalom, professor
emérito de Stanford,
são um fenômeno editorial de
vendas. Os números brasileiros
são formidáveis: "Quando
Nietzsche Chorou", lançado no
Brasil em 2003, vendeu 521,8
mil exemplares; "A Cura de
Schopenhauer", de 2005, 119,2
mil; "Mentiras no Divã", de
2006, 108 mil; "Os Desafios da
Terapia", lançado em 2007, já
vendeu 43,2 mil exemplares;
"O Carrasco do Amor", também do ano passado, 18 mil
exemplares. Sai agora "Mamãe
e o Sentido da Vida", que já aparece entre os dez mais. Yalom
anda, portanto, na casa dos 820
mil exemplares vendidos, só no
Brasil. Quais as razões de tanto
sucesso? A pergunta martela
em minha cabeça.
Vamos, então, por partes. Em
"Mamãe..." elas são três. A primeira é autobiográfica e contém um capítulo único, focando conflitos e incompreensões
do autor com a mãe morta, que
o assombra em sonhos. Os três
capítulos seguintes formam
um bloco que relata sessões de
terapia de grupo com pacientes
terminais de câncer, anoréxicos e psicóticos, além de um caso de terapia de luto, com uma
paciente brilhante, que se recusava a viver após a morte do
marido.
A última parte do livro, que
se apresenta mais abertamente
como ficcional, refere dois casos terapêuticos divertidos,
narrados pelo psiquiatra Ernest Lash, alter ego ficcional de
Irvin, que já aparecera em
"Mentiras no Divã". O nome
poderia ser traduzido por "Ernesto Ferida". Ou "Honório
Ferrão", para manter em português o tipo de ferida produzida pelo chicote desabrido da
verdade. Lash funciona como
aqueles mágicos, supostamente francos e odiados pelo resto
da categoria, que revelam os
truques baixos por trás da maravilha das mágicas.
Num dos seus contos, narra o
efeito sobre a terapia de um terrível engano que cometera ao
entregar desapercebidamente
a uma paciente, junto com a fita
da gravação da sessão, as suas
próprias notas ditadas para um
seminário de "contratransferência". Ali, anotara seu tédio
mortal por ela, na qual mesmo
o atrativo de grandes seios a
pressionar os botões da blusa se
perde em meio à sucessão de lamúrias repetitivas.
No outro, Lash narra a história de uma mulher que padece
da maldição, lançada por um
gato húngaro a sua avó, de jamais acordar ao lado do amante
a quem se entregasse na noite
anterior. É este o caso em que a
escrita de Irvin adquire maior
liberdade face ao andamento
terapêutico, mas, infelizmente,
não o suficiente.
Ao cabo, há uma explicação
para tudo o que acontece. O
simples fato de ser assim, ou de
que os fatos se dêem como suporte para a explicação aterrissa a narrativa numa planura de
previsibilidades.
Desprezo à teoria
Percebo então que, em termos de psicoterapia, a relevância e a urgência do aqui-e-agora
do consultório, defendido por
Yalom, existem no seu texto
apenas como idéia. Ou pior: como frase ou puro mote compreensivo, que não recebe consistência da teoria (que, no fundo, despreza ou subestima como arrogância e formalismo),
mas tampouco se alimenta da
produção da "presença" das
personagens e situações evocadas (pois, para isso, precisariam
ter mais consistência literária).
Neste ponto, me pergunto se
o que nos resta da leitura de Yalom não é justamente o que ele
diz criticar: redução da conversa a informação e conselho (duvidosamente) úteis. E se assim
for, tem de estar também aí,
nesse esvaziamento que vai desaguar na trapaça da auto-ajuda, a resposta para o volume extraordinário das suas vendas.
Ao imediatismo do sistema
comercial de saúde se responde
com o imediatismo da literatura de entretenimento, que vende a sensação de bem-estar e de
conhecimento auto-satisfatório que, a rigor, não tem nada a
ver com êxito terapêutico real,
assim como é contradição em
termos com a literatura, que
simplesmente exclui qualquer
idéia de bem-estar, quanto
mais de cura.
ALCIR PÉCORA é professor de teoria literária da
Universidade Estadual de Campinas e autor de
"Máquina de Gêneros" (Edusp)
MAMÃE E O SENTIDO DA VIDA
Autor: Irvin D. Yalom
Tradução: Elvira Serapicos
Editora: Agir
Quanto: R$ 34,90 (248 págs.)
Avaliação: regular
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