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Crítica/"A Origem dos Meus Sonhos"
Autobiografia ajuda a entender o fenômeno Barack Obama
Escrito há dez anos, livro mostra capacidade analítica em político acusado de superficial
PAULO FAGUNDES VISENTINI
ESPECIAL PARA A FOLHA
O senador e pré-candidato pelo Partido Democrata às eleições
presidenciais, Barack Obama,
não representa apenas uma
possível "zebra" política, mas
também um desconhecido do
grande público, que pode vir a
ocupar a Casa Branca. Trata-se
de um demagogo bem articulado ou algo novo estaria emergindo na política americana? O
livro "A Origem dos Meus Sonhos", uma autobiografia escrita há dez anos e agora reeditada
nos Estados Unidos e lançada
no Brasil, ajuda a compreender
esse personagem que parece ir
contra a corrente, se consideramos a situação vigente desde 11
de setembro de 2001.
Na televisão observamos que
ele se expressa muito bem, com
naturalidade, tranqüilidade e
convicção. Mas a TV pode ser
enganosa, pois a limitação de
tempo induz à superficialidade.
Já no livro há muito espaço,
com 450 páginas nas quais descreve sua infância, juventude e
entrada na fase adulta. Escreve
muito bem, de forma agradável,
natural e convincente, com riqueza de detalhes que revela
muito do seu caráter e percepção do mundo, fornecendo, assim, elementos para compreendermos sua plataforma
política.
Haver nascido no Havaí (em
1961) e ter como pai um estudante do Quênia e como mãe
uma branca do Kansas possui
um significado importante. O
pai, também Barack Obama, separou-se da mãe e voltou ao
país de origem para trabalhar
para o governo como renomado economista e os vínculos entre pai e filho foram perdidos.
Quando a mãe voltou a casar-se, com um indonésio, ele viveu
alguns anos na terra do padrasto, para depois retornar ao Havaí, sob o cuidado dos avós maternos. Já adulto, viajou pela
Europa e foi ao Quênia conhecer a família paterna, após a
morte do pai.
Trabalho comunitário
Estudou na Califórnia, graduou-se em ciência política pela Universidade Columbia
(NY), e também em direito em
Harvard, tornando-se o primeiro afro-americano a dirigir
a "Harvard Law Review", ocasião em que publicou suas memórias. Antes disso, realizou
trabalho comunitário por meio
de igrejas em Chicago, numa
época em que as indústrias desapareciam da região, gerando
desemprego, e depois, foi professor na Universidade de Chicago. Em 1996 foi eleito senador estadual e, depois, senador,
com mandato até 2011. Casado
com uma bela afro-americana,
Michelle, com quem tem duas
filhas, parece desfrutar de uma
boa vida familiar.
Mas o interessante é que, por
uma série de circunstâncias,
Obama não é um afro-americano típico, carregado de ressentimentos sociais. Ele trabalhou
nos guetos, sentiu a discriminação pessoalmente, mas tem
um outro tipo de estrutura
mental. Numa América que
passou do otimismo liberal do
"Fim da História" de Fukuyama ao "Choque de Civilizações"
de Huntington e à Guerra ao
Terrorismo, Obama se revela
um cosmopolita, de que tanto a
América necessita hoje.
Os seus relatos mostram um
jovem curioso, sensível e reservado, que interagiu com todas
as culturas alternativas e correntes políticas críticas, típicas
de qualquer universidade, sem,
contudo, deixar-se levar. Mais
ainda, soube captar o que cada
uma oferecia de positivo, mas
distanciando-se do dogmatismo. Cita vários erros cometidos, mostrando como seus efeitos contribuíram para reforçar
a dimensão moral herdada da
mãe. Já do pai, recebeu o charme envolvente, a autenticidade
e a naturalidade. Mas o que talvez é exclusivamente sua, é a
capacidade de observar e avaliar a situação alheia.
Na campanha, ele tem sido
acusado de ser despreparado e
superficial. Contudo, a leitura
nos mostra alguém muito bem
informado e com capacidade
analítica. Não se pode exigir de
alguém, durante um debate midiático eivado de provocações,
que apresente soluções simples
para as grandes contradições
domésticas e internacionais
dos EUA. Sabe-se que Hillary
Clinton tem maior rejeição dos
republicanos, enquanto Obama representaria algo novo,
com alguma chance. Seu livro
dá a idéia que ele está preparado para enfrentar os problemas
dos Estados Unidos. O que não
se sabe é se os Estados Unidos
estão preparados para ele.
PAULO FAGUNDES VISENTINI, historiador, é
professor titular de relações internacionais na
Universidade Federal do Rio Grande do Sul
A ORIGEM DOS MEUS SONHOS
Autor: Barack Obama
Tradução: Irati Antonio, Renata Laureano e Sonia Augusto
Editora: Gente
Quanto: R$ 49,90 (452 págs.)
Avaliação: bom
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