São Paulo, sábado, 05 de abril de 2008

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Crítica/"A Origem dos Meus Sonhos"

Autobiografia ajuda a entender o fenômeno Barack Obama

Escrito há dez anos, livro mostra capacidade analítica em político acusado de superficial

PAULO FAGUNDES VISENTINI
ESPECIAL PARA A FOLHA

O senador e pré-candidato pelo Partido Democrata às eleições presidenciais, Barack Obama, não representa apenas uma possível "zebra" política, mas também um desconhecido do grande público, que pode vir a ocupar a Casa Branca. Trata-se de um demagogo bem articulado ou algo novo estaria emergindo na política americana? O livro "A Origem dos Meus Sonhos", uma autobiografia escrita há dez anos e agora reeditada nos Estados Unidos e lançada no Brasil, ajuda a compreender esse personagem que parece ir contra a corrente, se consideramos a situação vigente desde 11 de setembro de 2001.
Na televisão observamos que ele se expressa muito bem, com naturalidade, tranqüilidade e convicção. Mas a TV pode ser enganosa, pois a limitação de tempo induz à superficialidade.
Já no livro há muito espaço, com 450 páginas nas quais descreve sua infância, juventude e entrada na fase adulta. Escreve muito bem, de forma agradável, natural e convincente, com riqueza de detalhes que revela muito do seu caráter e percepção do mundo, fornecendo, assim, elementos para compreendermos sua plataforma política.
Haver nascido no Havaí (em 1961) e ter como pai um estudante do Quênia e como mãe uma branca do Kansas possui um significado importante. O pai, também Barack Obama, separou-se da mãe e voltou ao país de origem para trabalhar para o governo como renomado economista e os vínculos entre pai e filho foram perdidos.
Quando a mãe voltou a casar-se, com um indonésio, ele viveu alguns anos na terra do padrasto, para depois retornar ao Havaí, sob o cuidado dos avós maternos. Já adulto, viajou pela Europa e foi ao Quênia conhecer a família paterna, após a morte do pai.

Trabalho comunitário
Estudou na Califórnia, graduou-se em ciência política pela Universidade Columbia (NY), e também em direito em Harvard, tornando-se o primeiro afro-americano a dirigir a "Harvard Law Review", ocasião em que publicou suas memórias. Antes disso, realizou trabalho comunitário por meio de igrejas em Chicago, numa época em que as indústrias desapareciam da região, gerando desemprego, e depois, foi professor na Universidade de Chicago. Em 1996 foi eleito senador estadual e, depois, senador, com mandato até 2011. Casado com uma bela afro-americana, Michelle, com quem tem duas filhas, parece desfrutar de uma boa vida familiar.
Mas o interessante é que, por uma série de circunstâncias, Obama não é um afro-americano típico, carregado de ressentimentos sociais. Ele trabalhou nos guetos, sentiu a discriminação pessoalmente, mas tem um outro tipo de estrutura mental. Numa América que passou do otimismo liberal do "Fim da História" de Fukuyama ao "Choque de Civilizações" de Huntington e à Guerra ao Terrorismo, Obama se revela um cosmopolita, de que tanto a América necessita hoje.
Os seus relatos mostram um jovem curioso, sensível e reservado, que interagiu com todas as culturas alternativas e correntes políticas críticas, típicas de qualquer universidade, sem, contudo, deixar-se levar. Mais ainda, soube captar o que cada uma oferecia de positivo, mas distanciando-se do dogmatismo. Cita vários erros cometidos, mostrando como seus efeitos contribuíram para reforçar a dimensão moral herdada da mãe. Já do pai, recebeu o charme envolvente, a autenticidade e a naturalidade. Mas o que talvez é exclusivamente sua, é a capacidade de observar e avaliar a situação alheia.
Na campanha, ele tem sido acusado de ser despreparado e superficial. Contudo, a leitura nos mostra alguém muito bem informado e com capacidade analítica. Não se pode exigir de alguém, durante um debate midiático eivado de provocações, que apresente soluções simples para as grandes contradições domésticas e internacionais dos EUA. Sabe-se que Hillary Clinton tem maior rejeição dos republicanos, enquanto Obama representaria algo novo, com alguma chance. Seu livro dá a idéia que ele está preparado para enfrentar os problemas dos Estados Unidos. O que não se sabe é se os Estados Unidos estão preparados para ele.


PAULO FAGUNDES VISENTINI, historiador, é professor titular de relações internacionais na Universidade Federal do Rio Grande do Sul

A ORIGEM DOS MEUS SONHOS
Autor:
Barack Obama
Tradução: Irati Antonio, Renata Laureano e Sonia Augusto
Editora: Gente
Quanto: R$ 49,90 (452 págs.)
Avaliação: bom


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