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Crítica/cinema
"Chico Xavier" é o "Avatar" brasileiro
Cinebiografia de médium tem atuações admiráveis e firma Daniel Filho como principal artesão do cinema nacional hoje
INÁCIO ARAUJO
CRÍTICO DA FOLHA
Sobre Chico Xavier sempre pesou a sombra da
fraude. E esse é, agora, o
princípio que unifica a narrativa de "Chico Xavier" e permite
ao filme transitar de sua infância à velhice sem perder o fio da
meada.
As ressonâncias de tal personagem são imensas. À hipótese
de fraude responde, de maneira
simétrica, a de um mandato divino, inexplicável senão àqueles que têm fé.
De certo modo é a história de
Cristo que se revive ali: aquele
homem cura, é milagroso, mas
só o povo humilde (sem acesso
à medicina tradicional) é capaz
de compreendê-lo e aceitá-lo.
Letrados e outros religiosos
acham que tudo é obra da ignorância ou do Diabo.
Foi justamente por escapar à
apreensão racional, no entanto,
que Chico Xavier acabou se tornando um dos personagens
mais marcantes do imaginário
brasileiro no século 20.
Desde que tratado de maneira adequada, tinha tudo para
ser o imenso sucesso cinematográfico que desde já se anuncia
("Bezerra de Menezes", produzido com migalhas e lançado
quase secretamente, tornou-se
um fenômeno de público).
Por tratamento adequado
entenda-se, primeiro, respeito
e adesão ao personagem, mas
não submissão prévia. É pelo
principal "subplot" do filme,
aliás, que se desenvolve a tensão entre crença e ceticismo.
Regra clássica
Ali, há um casal que perdeu o
filho. A mulher vai a sessões espíritas. O marido vê as coisas de
outro modo: homens cultos,
como ele, não podem acreditar
no além, para começar, e muito
menos que um ser inculto e humilde seja o seu mensageiro.
Por tratamento adequado
entenda-se, também, a completa adesão à regra clássica: não
permitir hiato entre o imaginário do filme e o do público; o filme deve apossar-se do desejo
do espectador, ocupá-lo.
É o que "Chico Xavier" faz
(entre outras graças a uma
competência artesanal de que
faz parte a direção de Nelson
Xavier e Ângelo Antônio, atores
que encarnam o médium com
desenvoltura admirável).
No mais, deve-se entender
que hoje é supérflua a questão
da crença ou não nos poderes
de Chico. Dele pode-se reavivar
o carisma e a aura da simpatia.
Mas o desejo do público não é
discuti-lo, e sim admirá-lo
-como pessoa, santo ou herói,
pouco importa: é nessa direção,
claro, que o filme caminha.
Não deixa de ser relevante
que Daniel Filho tenha feito,
antes desse, dois filmes de muito sucesso, "Se Eu Fosse Você"
(1 e 2), que, embora não tratando de almas do outro mundo,
tratava de almas que ocupavam
corpos alheios.
Nesse sentido, "Chico Xavier" era um território já bem
conhecido do diretor (não seria
"Chico Xavier" quase um "Se
Eu Fosse Você 3"?), que aqui
ainda evoca de maneira decisiva a figura materna, o saber ingênuo do povo, a família e, claro, a fé.
Juntar esses elementos num
roteiro sólido, mas tê-los sempre à mão e investir fundo no
carisma de Chico é uma dessas
decisões que afirmam Daniel
Filho como principal artesão
do cinema brasileiro hoje.
Claro, pode-se sempre lembrar que a representação de
Emmanuel está muito mal resolvida (mais para comédia
americana do que para espetáculo místico), mas o essencial
está ali onde está o desejo do espectador, adere a ele, não lhe
permite desviar-se: é ao cinema
como máquina fantástica que o
filme apela, são os seus poderes, e não quaisquer outros, que
busca suscitar.
A julgar pelas filas que se formaram já nas primeiras sessões, nosso "Avatar" é esse. O
3D Chico fornece.
CHICO XAVIER
Direção: Daniel Filho
Produção: Brasil, 2010
Com: Nelson Xavier, Ângelo Antônio,
Tony Ramos, Giovanna Antonelli
Onde: Anália Franco UCI, Multimovie
Itaim Paulista 1, Bristol 6, Espaço Unibanco Pompeia 4 e circuito
Classificação: livre
Avaliação: bom
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